Memórias do Ultramar

Depois da Segunda Guerra Mundial, as antigas potências europeias iniciaram o processo de descolonização de diferentes áreas dominadas no espaço africano.

O Governo de Portugal não aceitou a perda dos territórios e ofereceu resistência contra os grupos armados que desejavam que as suas terras fossem nações independentes.

Foi nesse contexto que aconteceu a Guerra Colonial Portuguesa, que se desenvolveu entre 1961 e 1974, e colocou em choque as Forças Armadas Portuguesas contra diferentes grupos armados de Angola da Guiné e de Moçambique.

COREMO-COMITÉ REVOLUCIONÁRIO DE MOÇAMBIQUE (documento de Joaquim de Jesus Rosa)

Foram 10 mil militares portugueses que perderam a vida neste conflito que durou 13 anos.

Jovens de todas as aldeias de Portugal, sem nenhuma experiencia no uso de armas, foram obrigados a combater para defender as terras que o governo chamava de “as nossas Províncias Ultramarinas”.

Um rapaz que começasse a namorar antes dos 18 anos, tinha de deixar a namorada para ir cumprir o Serviço Militar obrigatório, com 90% de hipóteses de ser chamado para a guerra. As namoradas tinham que esperar por três anos!… E esperaram,… e casaram! Mas também não esquecem o que foi viver com o coração apertado, com medo de receber noticias ruins.

Alguns rapazes preferiam ir para o estrangeiro.  Arriscava-se a ser mortos pela polícia, ao atravessar a fronteira, mas iam mesmo assim. Nunca mais podiam voltar porque se voltassem eram castigados e podiam ser chamados para o Ultramar em qualquer altura.

O ti António dos Casais dos Vales costumava dizer que antes queria ver o filho morto do que o ver embarcar para o Ultramar, no entanto, foi um dos seus filhos o primeiro rapaz do Alqueidão a embarcar para a guerra.

As famílias, as namoradas, e os amigos faziam promessas e pediam com fé a Nossa Senhora de Fátima para que os protegesse …

Ezequiel Saragoça Calvário

Ficou na nossa memória coletiva, a angustia das famílias que viram os seus jovens rapazes partir para a guerra, na incerteza do regresso.

O Júlio não voltou. Morreu no Ultramar. Era filho de Maria da Encarnação Carvalho e de João Calvário.

Júlio Carvalho Calvário

Júlio Carvalho Calvário (Nasc.17-11-1944)

Companhia de Caçadores 1487

Guiné 1965 – 1967

Faleceu na Guiné em 20-06-1967

O Alfredo voltou com uma grave doença renal.

Alfredo Pereira Gomes

Alfredo Pereira Gomes, nasceu no Alqueidão da Serra em 11 de Novembro de 1942, era Filho de António Correia Gomes e de Alexandrina Pereira Vieira.

Esteve no ultramar entre  1964 e 1966. Voltou com uma grave doença renal e acabou por falecer a 8 de Agosto de 1968.

Nunca me esquece da guerra, foi de lá que trouxe esta doença

Álvaro Costa Saragoça

Para além dos traumas de guerra, trouxeram doenças que os acompanharam durante toda a vida, e que maioritariamente estão relacionadas com fígado, rins e intestinos, por causa da má alimentação e falta de água ou água contaminada.

Mas também recordam os divertimentos, as festas de aniversário e as bebedeiras.

A nossa missão não era matar. Defendíamo-nos quando nos atacavam.

Adolfo Silva Laranjeiro

Cada batalhão tinha o seu Capelão Militar que dava assistência religiosa aos soldados.

Angola – Adelino da Costa Santos

A missão do Capelão Militar passava também por atender às necessidades dos povos nativos, ajudando as pessoas necessitadas, para além da assistência religiosa soldados.

Quando iam para o mato ficavam em acampamentos provisórios ou até em buracos abertos por uma escavadora, e andavam por lá durante meses.

Angola – Álvaro Costa Saragoça

Quando saíam levavam um cantil, a arma, e uma outra arma de defesa pessoal bem junto ao corpo, para o caso que tudo o resto falhasse.

Arma de Defesa Pessoal de António Pereira Carvalho

Filtravam toda a água que bebiam usando bocados de algodão, ou até um lenço, mas quando a água acabava já não havia onde encher o cantil.

Colocávamos água na tampa do cantil, e molhávamos os lábios, porque se puséssemos o cantil à boca… ficávamos logo sem água

Joaquim de Jesus Rosa

Os que estiveram em Angola recordam a Capela de Nossa Senhora do Grafanil, local de devoção de milhares de homens que passaram no Campo Militar do Grafanil, na Estrada Luanda-Catete.

O altar era esculpido no tronco de um embondeiro, uma grande árvore das regiões tropicais. Nove homens não chegavam para abraçar esta árvore.

Raul Laranjeira dos Santos . Angola

Em 1974, a Revolução dos Cravos estabeleceu o retorno da democracia, e a guerra acabou.

Os anos que se seguiram à Revolução de 74 também não foram fáceis, nem para os militares, nem para civis portugueses que estavam nas “Províncias Ultramarinas”. Nesta altura cerca de 600 mil portugueses regressaram a Portugal, na sequência do processo de descolonização. Eram os “retornados”. Foram perseguidos, tiveram que fugir e deixar lá tudo o que possuíam. Muitos deles tinham nascido fora do país e não tinham para onde “regressar”. Esta população enfrentou sérias dificuldades depois da sua chegada a Portugal. Tiveram dificuldades para encontrar trabalho, e também estiveram sujeitos a diversos tipos de discriminação.

Quando chegavam a Portugal, acabada a obrigação do Serviço Militar, os soldados iam a Fátima dar graças a Deus que lhes tinha concedido a graça de regressarem para junto das suas famílias, e faziam uma homenagem aa Nossa Senhora carregando o Seu andor.

13 de Maio de 1973 em Fátima – Adolfo Silva Laranjeiro

Hoje, os ex-combatentes mostram aos netos, com muito orgulho, os álbuns de fotos da guerra e contam-lhes as histórias e as memórias que cada fotografia vai avivando.

O Reconhecimento da Nação

Titular de Reconhecimento da Nação

A insígnia tem a mesma forma do monumento aos combatentes localizado em Lisboa, símbolo do agradecimento e homenagem nacional a todos os Antigos Combatentes, apresenta-se no formato de alfinete de lapela (pin), e vem numa caixa com a inscrição “Titular de Reconhecimento daa Nação”

Insígnia de Daniel Saragoça dos Santos

Lei nº 46/2020 de 20-08-2020

ANEXO I – (a que se refere o artigo 2.º) ESTATUTO DO ANTIGO COMBATENTE


Artigo 6.º – Titular de reconhecimento da Nação

       A todos os antigos combatentes que se enquadrem no âmbito de aplicação do
presente Estatuto será inscrita na informação contida no circuito integrado do cartão de
cidadão a designação «Titular de reconhecimento da Nação», ao abrigo do n.º 3 do artigo
8.º da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro.
Início de Vigência: 01-09-2020

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2 respostas a Memórias do Ultramar

  1. Maria do Céu Gomes diz:

    O Alfredo era (é) meu primo direito. Recordo-me de o ter ido visitar ao hospital depois do seu regresso do ultramar. O seu desaparecimento foi um grande desgosto para toda a família.o Alfredo era um rapaz muito bonito, simpático, afável e amigo da família. Deixou muitas saudades e ainda hoje é lembrado.
    A guerra do ultramar matou muitos jovens portugueses, deixando mágoas nos corações de familiares e amigos que nunca puderam ser curadas.
    Há buracos obscuros na história do nosso país que nunca foram tapados.

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