Numa data impossível de determinar exactamente, começou no Alqueidão uma indústria que teve tão grandes poderes e honras que acabou por influenciar o nome da Freguesia.
Trata-se do fabrico das contas que compunham o “Rosário”, o ”Terço” e a “Coroa”.
Tão intensivo se tornou o fabrico das contas que a designação de Alqueidão das Contas passou a generalizar-se de tal maneira que a de Alqueidão da Serra, apenas tinha serventia nos registos oficiais, civis e religiosos.
Houve até uma inclinação geral para o nome “Alqueidão das Contas”, devido ao facto de estar para dar o nome de Alqueidão da Serra a certa aldeia da região de Torres Novas.
Tão vulgar se tornou o tratamento de Alqueidão das Contas que acontecia por vezes ouvir-se dizer “Alqueidão da Serra, o antigo Alqueidão das Contas”.
Os Fabricantes
Eram inúmeros os fabricantes, embora ninguém se dedicasse a tempo inteiro à fabricação, excepto em tempo invernoso ou quando havia crise de trabalho.
Por se tratar de um trabalho leve e que precisava de operações diferentes, quase todos os membros de uma família podiam participar de forma activa e proveitosa.
Era uma indústria caseira que, dependendo da altura do ano, gastava as horas livres dos trabalhos agrícolas.
A matéria-prima era madeira de medronheiro, que não existia no Alqueidão, por isso, a parte mais difícil de todo o processo de fabrico era a sua procura, arranjo e transporte. Grupos de homens e mulheres deslocavam-se longe, normalmente a pé, para conseguir os feixes de madeira, que transportavam às costas ou à cabeça.
No pátio em frente à casa escolhia-se a madeira e separava-se conforme a grossura dos ramos. Os mais grossos davam botões, dos médios tiravam-se “padre-nossos”, e do resto, “avé-marias”. Os verdes metiam-se no forno de cozer o pão e depois seguiam o mesmo caminho que os outros, depois de cortados os pequenos nós e de levarem uma alisadela com um canivete.
Com estes acabamentos os pequenos troncos ficavam prontos para a operação final, o corte. Este era um trabalho que além de requerer faca ou canivete de bom fio, exigia mão firme e pulso resistente, especialmente quando era para produzir os botões ou os “padre-nossos”.
Outro instrumento de trabalho era o molde. Consistia numa tábua aplainada com cerca de dois palmos de comprimento e a largura normal. Nesta, havia duas ordens de furos de acordo com a produção a que se destinava, abertos em pequena profundidade, mais ou menos a um centímetro das bordas, no sentido do comprimento. Era neles que se metiam os pequenos troços dos ramos a transformar em contas ou em botões.
Fincada a parte mais estreita da tábua no ângulo formado pelo tronco e pernas de quem trabalhava, o cortador segurando-a por cima com a mão esquerda começava a parte da obra que lhe competia.
As contas ou os botões que tinham ficado no molde, em consequência da separação feita pelo golpe, saíam à medida que se batia na traseira da tábua, já virada para baixo, sendo então guardados num saco.
Quando o saco chegava a um determinado grau de enchimento incompleto, atava-se pela boca. Saltava-lhe então para cima a pessoa que estava encarregue de fazer o polimento. Este obtinha-se por meio de constante e aturado calcamento a pé descalço em toda a extensão do saco.
As contas, no atrito de umas contra as outras, iam perdendo pequenas lascas de madeira, arredondando arestas e ganhando uma espécie de brilho proveniente da fricção. Este era um trabalho cansativo e monótono que exigia prolongado afinco e algum esmero na execução.
Seguia-se a escolha das que tinham ficado com algum defeito que se notasse, após o que se procedia à abertura do pequeno orifício por onde havia de passar o fio em que as “avé-marias”, separadas pelos “padre-nosso”, fariam o “rosário”, o “terço” ou a “coroa”, objectos de culto terminados por uma cruz, antes da qual se colocavam três “avé-marias”, entre dois “padre-nossos”.
Sobre esta matéria Tito Larcher escreveu no “Leiria Ilustrada”, de 22 de Abril de 1904:
“Antes de começar a destilação da aguardente de medronho, era franco para o povo o corte dos medronheiros, na charneca da Curvachia (freguesia das Cortes, imediações de Leiria), o que acabou com o valor que obteve o medronheiro (…) Uma carga de madeira de medronho, custava no meado do século findo 30 reis e dela faziam, aproximadamente quatro duzias de rosarios de trezentas contas cada um, que os contratadores compravam por 50 reis cada dúzia, indo vendê-los em Lisboa e no Porto, a 800 e 900 reis a dúzia.”
Tito Larcher foi o fundador da antiga Biblioteca Erudita de Leiria que foi extinta em 1997. A colecção de livro antigo (até 1901) do Arquivo Distrital de Leiria é maioritariamente constituída pela biblioteca pessoal de Tito de Sousa Larcher que doou a esta instituição 2.200 títulos, muitos deles sobre a história do Distrito de Leiria.
Além da madeira de medrunheiro, também se utilizavam no fabrico das contas outros materiais, como por exemplo: Ossos, Bogalhos ou Cortiça.
Contas de Cortiça
Contas de Osso
Os “rosários” do Alqueidão, como em todo o mundo, contavam cento e cinquenta “avé-marias” e os respectivos ”padre-nossos” intercalados.
A pequena indústria caseira do Alqueidão deve ter tido seus começos nos meados do século IXX. Em 1909, Tito Larcher dá a indústria como extinta. Nove anos antes ela ainda existia, mas em decadência pronunciada.
A mecanização do fabrico de terços e de rosários, e as saídas periódicas do pessoal em busca de trabalhos como a ceifa, as vindimas e a apanha da azeitona, colaboraram para a extinção desta pequena fonte de receitas para a Freguesia.
gostaria que me enviasse o contato da fabrica de contas
carlosmourafce@hotmail.com
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Tal como o artigo refere a Fábrica das Contas faz parte da história desta terra, hoje em dia não existe.
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Parabéns Dulce pelo seu trabalho nesta página, continue.
Pe. Manuel Vítor de Pina Pedro
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