Padre Manuel Afonso e Silva

Manuel Afonso e Silva nasceu em Alcaria no dia 2 de Outubro de 1825.  Foi batizado no dia 9 do mesmo mês e ano na Igreja Paroquial de Alcaria.

Era filho de  João Afonso e de sua mulher Constancia Maria naturais e residentes em Alcaria.

Filho de gente modesta, como geralmente eram quantos viviam na corda de serras em que nascemos, desde muito cedo sentiu em si o chamamento celeste para a vida sacerdotal, mas devido a grandes dificuldades materiais não lhe foi possível, nessa altura, seguir este seu impulso.

Para ajudar os seus pais, exerceu a profissão de moleiro, durante vários anos.

Até que um dia as coisas mudaram. Aquele rapaz, a cair para homem, de rosto picado das bexigas, olhos encovados e a penderem para o verde, arranjou maneira se seguir a sua vocação.

Naquele tempo, com respeito a religião, as coisas não iam nada bem no nosso país. O desenvolvimento da Maçonaria e as alterações da política nacional por ela favorecidas, fizeram com que o Rei tivesse que decretar o encerramento dos conventos.

Sem dó nem piedade, sem fé nem religião, acabaram com os frades! O caso histórico, em toda a sua brutal desumanidade, alterou até a forma com que nos exprimimos: costumamos dizer que certa pessoa ou coisa “levou uma volta que nem os frades de Alcobaça”.

Corria o ano de 1834. Do convento de Varatojo, onde vivia debaixo da regra de S. Francisco, fugiu para a Serra de Santo António, de onde era natural, um frade sorumbático que se chamava Frei José da Conceição.

Na mesma altura, pregava, em Ferreira do Zêzere, outro frade do mesmo convento. Chamava-se Frei Manuel da Conceição e era natural do Cartaxo. A primeira ideia que teve foi a de procurar abrigo na sua terra natal. Receberam-no com tanta pancadaria que lhe deixaram as costas num harmónio muito desafinado. Teve que fugir.

Suspeitando que Frei José estaria acoitado na casa dos seus pais, deitou pés ao caminho  e juntou-se ao antigo companheiro.

Feitios opostos – Frei José, metido consigo e Frei Manuel, comunicativo, tendo nos lábios um sorriso que alumiava como a graça divina – entendiam-se às mil maravilharas. Ambos resolveram abrir aulas para ensino de várias matérias. Para assinalar esse dia plantaram uma oliveira no pátio de Frei José. As suas lições chegaram a ter grande fama, e tinham alunos de todo o país.

Manuel Afonso e Silva, um belo dia, pega em si e vai bater à porta dos fradinhos. Foi recebido pelos Mestres que franciscanamente lhe abriam os braços de bom acolhimento a ricos e a pobres. “Bons costumes” era o que exigiam dos alunos. Que se lhes dava a eles a riqueza ou a pobreza do candidato a estudante, se nem chavo recebiam por ensinarem?

Logo que os frades o deram por acabado e pronto quanto a estudos, foi para o Seminário de Leiria. As cartas em que os seus antigos mestres garantiam o bom porte moral e os excepcionais dotes de inteligência do aspirante a seminarista tornaram-no pessoa querida. Fez um curso brilhante e saiu padre aí por 1859.

O Sr. Bispo de Leiria, confiou ao seu cuidado pastoral a freguesia de Monte Real em que trabalhou com grande zelo, apenas durante dois anos, porque as febres o prostraram, a ponto de se ver forçado a abandonar esta Freguesia, com grande pesar dos seus paroquianos, que, por muito tempo, lembraram a perda do seu bondoso pastor.

O Sr. Bispo de Leiria pensando que talvez as febres contraídas no “Campo” se curassem com os lavados ares das serras onde se criara, enviou o pároco do Monte Real ribeirinho e mimoso, mas doentio, para o Alqueidão serrano e de fragas despidas, mas saudável.

Deve ter sido em meados de 1861 que o Padre Afonso tomou conta da sua nova Freguesia, visto que o primeiro assento que ele assinou, tem a data de 24 de Junho desse ano. Para assinalar o dia da sua chegada o Padre Afonso plantou o freixo que ainda hoje se encontra no adro da Igreja.

Nem é bom a gente falar do estado espiritual em que veio encontrar a nova freguesia, mas o  que mais o espantou foi a imoralidade reinante, que nem sequer tinha aquele mínimo de pejo que a levasse a disfarçar-se um nadinha.

De acostumado que estava à luta, desde pequeno, não desanimou. Homem de viva e ardente fé, de austeros princípios, de porte irrepreensível e de exemplares costumes, depressa conquistou a posição de onde podia lançar o fogo crestador de vícios e purificador de defeitos, o fogo trazido por Cristo.

Fê-lo com o exemplo de todas as horas e todos os dias, com a sua palavra apostólica, cheia de convicção religiosa, rude e veemente como a dos Profetas do Antigo Testamento.

Os efeitos não tardaram e o Alqueidão começou a ser outro. Foi o Padre Afonso quem lhe pôs de novo, ao sol do brio e da dignidade, a sua verdadeira face. Os que apoucavam a terra com graçolas chochas deixaram de ter motivos para isso.

O Padre Afonso, que não se especializara nas aulas de Pastoral, conseguiu realizar, em pouco tempo, uma obra de que muitos se orgulhariam.

Anteriormente à sua vinda, era muito difícil encontrar no Alqueidão quem soubesse ler ou escrever. Não havia quem ensinasse as primeiras letras.

Diante disto, que faz o Padre Afonso? Na sua própria casa, à imitação de seus desinteressados Mestres, criou uma escola de que foi professor único.

As aulas eram diárias, de longa duração e o mestre não estava ali para brincadeiras. Frequentaram as suas aulas e ouviram, com proveito as suas lições, (entre muitos outros):

  • O Padre João Vieira Amado, que paroquiou esta Freguesia e morreu em Torres Novas, onde também exerceu o ministério sacerdotal;
  • O Padre Joaquim Vieira da Rosa, pároco de Alpedriz, Porto de Mós e Alqueidão da Serra;
  • O Padre Júlio Pereira Roque, durante alguns anos coadjutor em Porto de Mós, Capelão da Condessa da Penha Longa, jornalista fogoso, de aprimorado estilo e aguda visão dos problemas político-religiosos, batalhador das lutas de Deus e da Pátria, a quem se deve, em boa parte, a restauração da Diocese de Leiria. A ele deve também esta Freguesia, o facto de o olival do Santíssimo não ter levado a mesma volta que levaram os frades de Alcobaça.;
  • O Padre Francisco Vieira Inácio, prior de Pataias e da Abrã;
  • O Padre Joaquim Pereira, que exerceu funções eclesiásticas em Loures e Nazaré, acabando seus dias como Vigário de Itacoatiara (Brasil);
  • O Padre Francisco Vieira Real, prior de Sesimbra, de cujo município, foi secretário;
  • O Padre António Vieira da Rosa, pároco do Juncal, Rio de Mouro e do Gradil
  • O Padre Francisco Vieira da Rosa, que foi Beneficiado e prior da Sé Patriarcal de Lisboa.
  • Lourenço da Costa, Fiscal Geral dos Hospitais Civis de Lisboa, cuja vida cheia de benemerências é um título de glória para a terra onde nasceu.
  • Afonso Vieira Dionísio, distinto e valente oficial da nossa Marinha Mercante durante a 1ª Grande Guerra.
  • João Soares, (pai do Dr.Mário Soares) Governador Civil da Guarda e de Braga, antigo Ministro, homem de muito altas e reais qualidades de carácter, de inteligência e de coração, herdadas de sua tão santa mãe.

O desinteressado amor do Padre Afonso à instrução do seu povo subia a tal ponto que uma parte dos seus bens materiais deixou-a ao Seminário de Santarém, com a pensão de admitir gratuitamente, um aluno do Alqueidão e outro de Alcaria. Mais ainda: mesmo depois de criada por sua influência, a cadeira de instrução primária, continuou com a sua escola aberta para os que não podiam frequentar a escola publica.

O Padre Afonso foi presidente da Junta de Freguesia do Alqueidão da Serra desde 20 de Março de 1899, até 03 de Julho do mesmo ano. Há ainda que fazer registo do vastíssimo trabalho que realizou para o desenvolvimento da Freguesia, no respeitante ao progresso da valorização material da mesma:

A IGREJA — O templo, que veio encontrar, devia ser, com pequena diferença, a modesta capela que, em 1620, o Bispo Diocesano D. Martim Afonso de Mexia levantou à categoria de igreja paroquial. Mas estava em péssimas condições. Encontrava-se em estado impróprio da casa de Deus. O Padre Afonso transformou-a. Nesse tempo, a entrada principal dava para a estrada, ficando, portanto, a capela-mor, no lado oposto.  Foi o Padre Afonso quem deu outra orientação à igreja, fazendo nela as modificações permitidas pelos magros recursos financeiros de então.

A SENHORA DA TOJEIRINHA — Das beneficiações introduzidas pelo Sr. Padre Afonso nesta velhíssima e devota ermida dão fé as paredes da Capela-Mor. Nelas se vê onde, na parte velha, ligou o acrescento que a levou ao ponto em que a temos hoje.

O CEMITÉRIO é também obra do Padre Afonso. Até à sua vinda, faziam-se no adro os enterramentos. O funeral de  Inocêncio Pereira Roque foi dos últimos que se fizeram ali. Vitimou-o uma febre tifóide.

A FONTE— Também a esta preciosa prenda  se estendeu à acção do Padre Afonso. Vinha de longe a luta de nossos avós com a falta de água.

A ESTRADA — O Alqueidão vivia isolado e preso na crista onde o implantaram. Não tinha uma estrada que o ligasse à sede do Concelho. Ia-se até lá, descendo ao Falgar, cortando depois para os Tojeiros ou para o Zambujal e atravessando a Cunca, de onde, a meia encosta da Cabeça, se caminhava por um carreiro. Isto doía ao Padre Afonso que, para obter esse imprescindível melhoramento, se embrulhou nos enredos políticos do tempo, tendo a sua acção sido parte grande na abertura da estrada.

Conta-se que nas Mangas do Goivado, o Padre Afonso achou uma moeda de oiro, do tempo de Nero, imperador romano, que foi cruel persegui-dor dos Cristãos. Essa pequena mas histórica e reluzente rodela de oiro deve ter relação com os restos de estrada que, ali perto, se estendem a mostrar a sua antiguidade. A estrada e a moeda estão ligadas à tão graciosa lenda que se refere à cadeira de oiro, escondida nas Mangas do Goivado.

Foi também o Sr. Padre Afonso quem pediu e obteve do Papa Pio IX, em 11 de Junho de 1872, os tão valiosos privilégios espirituais que se desfrutam no Jubileu de S. José. (Alfredo de Matos publicou a tradução do texto latino da Bula Papal em “O Mensageiro”, de 17 de Maio de 1947).

A casa do Padre Afonso era no Prazo. Os seus terrenos chegavam até ao Caminho Velho, onde existia uma entrada com uns grandes portões.

Casa dos padres Rosa, Francisco e Joaquim Rosa, Pedra do Alqueidao, Pia, Alpendre e átrio de entrada

O Padre Afonso costumava esconder-se por detrás dos muros da sua propriedade junto ao Caminho Velho, e ouvia todas as conversas das mulheres que iam à fonte lavar roupa. Ninguém o via, mas ele sabia sempre tudo o que se passava na aldeia.

No Prazo, foram encontrados vários vestígios da presença dos Romanos na nossa terra. Lá se encontravam as fornalhas em que os Romanos preparavam o minério. Era assim que o P.e Manuel Afonso e Silva classificava dois poços, que ainda encontrou abertos, ao tomar conta da referida propriedade, pouco depois de ter sido nomeado pároco da Freguesia.

O padre Manuel Afonso e Silva faleceu em 26 de Novembro de 1908. Aparte o que doou ao Seminário de Santarém, deixou tudo o que amealhou à sua terra adoptiva. E registe-se, que só esse generoso legado permitiu aquele aumento e remodelação da igreja, que a fez o que é hoje.

Ficaram entre nós os seus restos mortais, cobertos por modesta campa. A sua alma gentil, cheia de rectidão e de paternal interesse pela Freguesia, esvoaça por cima dos nossos telhados, como anjo protector.

Pelos 36 anos em que  esteve a presidir aos destinos espirituais desta Freguesia e por tudo o que fez por ela, merece que o seu nome seja recordado pelos tempos além.

Saibamos escutar as lições que nos deixou: amor de Deus, interesse pelos Homens e dedicação à Terra.

A irmã do padre Afonso também ficou sepultada no cemitério de Alqueidão da Serra

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Aqui Jaz Thereza Affonsa irmã do Rev. Padre Affonso natural da freguesia de Alcaria. Nasceu a 20 de Setembro de 1823 e faleceu a 25 de Julho de 1905. Pede um Padre Nosso.

(texto eleborado com base nas investigações de Alfredo de Matos)

 

 

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