As Moiras dos Vieiros

O Zambujal é um povoado muito antigo, embora pequeno desde sempre, e actualmente só com uma ou duas casas habitadas.

Nos velhos tempos, ainda os Moiros viviam em Portugal, já existia  gente cristã no Zambujal.

Certa vez em que seus moradores, casualmente olharam para o morro dos Vieiros, pareceu-lhes que no ponto mais alto deste, havia gente, e que esta se movimentava, não como quem anda, mas com pequenas corridas que ora estacavam de repente, ora mudavam de direcção, muito bruscamente. Era, assim, como uma dança.

Afirmaram-se melhor, levados pela estranheza que tudo aquilo despertava em cada um. E não lhes restou a menor dúvida: aquilo era uma dança, muito estranha, é certo, mas uma dança. Nisto, fechou-se a noite e cada um foi para sua casa, depois de terem concluído que aquilo vinha a ser coisa de rapazes e de raparigas.

Chegado o dia seguinte e, pela mesma hora, um pouco mais ou menos, lá estavam os bailarinos justamente nos mesmos propósitos.

Isto acendeu a curiosidade em todos os que presenciavam a cena. Decidiram ir lá ver com seus próprios olhos o que era aquilo. Desataram a correr por aí abaixo, atalhando caminho para serem os primeiros a verem. Com os bofes à boca, puseram-se lá em três tempos e com a surpresa maior do que o cansaço, verificaram que nem vivalma ali persistia!

Olharam para um lado e para o outro, percorreram o terreno em várias direcções e… Ninguém. Passando a um exame rigoroso e miudinho do chão, nem sinal de pé de gente se lhes deparou! Ora a verdade era que, dos movimentos e das corridas que os dançarinos faziam, forçosamente havia de resultar algum rasto, algum sinal. Nada, porém, se descobria ou adivinhava.

Dividiram-se aos pares, bateram o terreno palmo a palmo! Em breve acabou a tarefa, de resto fácil, uma vez que a área era pequena. Daqui e dali, saltava um coelhito, mas gente ou figura disso, é que nem sombra.

Diante disto que mais parecia bruxedo que outra coisa, voltaram para suas casas, todos e cada um jurando que tinham visto e, afinal, dava-se aquilo…

Embora o desalento fosse geral, ficou assente que no outro dia voltariam, à mesma, se voltassem a ver aquilo, que começava intrigar toda a população do lugarejo.

No dia seguinte, lá estava a mesma reinação e parece que mais vistosa. Era inteiramente certo que não havia o menor engano de olhos. Aquilo era mesmo gente. Até viam roupa estendida ao sol.

A surpresa era cada vez maior e o remédio que havia para o caso estava em deitarem pés ao caminho, indo uns por um lado, outros pelo lado oposto, de modo a fazerem cerco. Assim, forçosamente encontrariam quem andava de brincadeira com eles. Pelo menos, haviam de ver que espécie de pessoas eram as que se prestavam a tão esquisitas e extravagantes atitudes e comportamento.

E, com esta ideia fisgada, resolveram fazer o que ficara combinado. Mas antes disso, houve quem soltasse um berro, forte e prolongado, a chamar. E os outros fizeram o mesmo.

Lá em cima, tudo e todos continuavam na sua, como se não chegasse até eles o menor rumor dos zambujalenses. Destes, houve quem lembrasse que podia tratar-se de surdos e, daí não os ouvirem a chamar. Por isso, trocaram as vozes por gestos. E foi um louvar a Deus o número de braços erguidos e o prolongado meneio de mãos como quem faz insistente convite.

Foi o mesmo que nada. Homens e mulheres, rapazes crescidos e raparigas (de crianças é que nem sombra aparecia) continuavam na deles: corridas ligeiras e breves, voltas rápidas e paragens um nadinha demoradas, com os intervenientes a olharem-se de frente aos pares, tão concentrados como se nada se passasse ao redor, perto ou longe!

Foi por tudo isto que os curiosos e intrigados espectadores decidiram-se a organizar um cerco ao morro dos Vieiros. Dele, esperavam o completo esclarecimento daquele “mistério” nunca visto.

Foram uns por um lado e outros pelo outro, realizaram círculo e, num dado momento, começaram de apertá-lo, reduzindo a área da roda, até que nesta disposição, chegaram ao sítio onde se lhes afigurava que tinham visto as cenas descritas.

De todas estas miúdas diligências e espertos cuidados veio a resultar, nem mais nem menos que, exactissimamente a mesma coisa que na véspera: nada quanto a pessoas físicas, nada quanto a sinal da sua permanência nem sinal de rasto ou pé de passada gravados na terra. Nem o mais reles fio de roupa se via pendente de qualquer ramo de árvore.

Diante da incompreensível falta de sorte, ou lá o que era, alguns ficaram sem pinga de sangue por verem naquilo, obra do Diabo. Os que tinham dado a descoberta do segredo como “favas contadas”, só diziam: – “Isto não pode ser, isto não pode ser!”.

Resolveram bater o terreno todo, palmo a palmo, confiados no bom fruto da sua resolução. Se bem o pensaram, melhor o fizeram.

Aquilo foi um nunca acabar de espiolharem silvados, de meterem o nariz em todos os desníveis do local, de vasculharem os tufos de feno alto por ali espalhados, de aferroarem com os olhos todos os pequenos buracos que descortinavam no terreno. Terminaram já pela noite dentro, e desalentados resolveram voltar ao povoado.

O que o dia seguinte lhes ofereceu foi o mesmíssimo espectáculo, com mais algumas novidades. Uma foi pôr-lhes na frente dos olhos, uma enorme fogueira, cujas labaredas irrequietas parecia que enlaçavam os membros do grupo dançante, que se saracoteava incessantemente, sem se notar a mais leve amostra de cansaço, nem o menor jeito de perigo derivado do fogo.

Coçando, pensativamente, o nariz e a cabeça, amparando o queixo na palma da mão, magicavam maneira de explicar o que estava a acontecer. Todos os zambujalenses se meteram em suas casas, bastante preocupados.

Decidiram reduzir o atrevimento com que se dispuseram a descobrir a realidade. Depois de discutir o assunto, chegaram à conclusão que o melhor caminho era o desprezo. Mas, como não queriam ficar indiferentes à provocação descarada (assim é que eles interpretaram as folias do misterioso grupo) entenderam que a melhor forma de fazer com que os silenciosos bailarinos se saíssem, era irritá-los por meio de desafios.

Formou-se então um coro de vozes em que as dos homens alternavam com as das mulheres e as dos garotos sobressaíam entre as de uns e as dos outros. Dessa latomia ensurdecedora fazia parte uma enorme enfiada de termos, como se pode imaginar: – “Palermas”, gritavam os homens; – “Parvas”, continuaram as mulheres; – “Brutos”, guincharam os garotos; e continuavam chamando-lhes “Atrevidos”, “Malandros”, “Cabras” etc.

Até que, gritando todos ao mesmo tempo, mas dizendo cada um sua afronta ou insulto, aquilo se tornou em verdadeira assuada em que os participantes vibravam de acordo com o seu temperamento.

Lá no alto dos Vieiros, porém, o grupo não parava a dança, não interrompia qualquer movimento, nem dava mostras de prestar a mínima atenção à barulheira insultuosa que lhes dirigiam. Era como se absolutamente nada se estivesse a passar na outra banda.

Naquele dia, fosse obra do acaso ou de propósito para fazer negaças e a criar maior birra, a dança prolongou-se pela noite dentro. E o caso real é que, nem os do grupo desistiam nem a fogueira fazia menção de diminuir e muito menos de se apagar!

Perante isto, os zambujalenses, perderam a esperança de verem o fim daquilo tudo, e como no outro dia era dia de trabalho, puseram-se a caminho do “vale dos lençóis”.

Antes de recolherem ao conchego da cama, os mais velhos, decidiram que aquilo eram esconjuros ou práticas supersticiosas das Moiras, para ver se descobriam os tesouros que os romanos por lá deixaram.

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