As vozes dos Sinos

No Alqueidão, como sucedia em muitíssimas localidades, o toque dos sinos para além do ofício mecânico de indicar horas, também tinha um papel importante na vida da comunidade.

Quando as calamidades (fogo,  água, etc.,) se abatiam sobre a população só existia a voz dos sinos para chamar por socorro. Quando alguém dava conta de que havia um incêndio, corria a tocar o sino a rebate. Toda a gente se juntava, levando baldes e água, e quando os bombeiros chegavam  o fogo já estava controlado.

Sob o aspecto familiar, esta voz tem a função de tornar radiosos os dias em que se celebram festas de baptizados e casamentos. Compete-lhe também o religioso dever de assinalar, com as suas badaladas, a hora da missa e o momento do “Senhor-fora” .

No plano social, importa considerar o papel de despertador público que os sinos exerciam. Logo ao  romper da aurora os sinos tocavam os “padres-nossos” chamando para o trabalho no campo. Ao meio-dia tocavam de novo anunciando a proximidade da refeição com a gostosa sobremesa da sesta. Quando caía a noite, o toque das “avé-marias” anunciava a hora de voltar para casa.

A qualquer momento e hora do dia, a voz dos sinos, através do toque dos “sinais”, anunciavam a morte de algum dos nossos irmãos.

Mas a serventia da voz dos sinos está longe de se ficar por aqui. Falando em previsão do tempo era sabido que na madrugada seguinte à noite em que os sinos do Reguengo se faziam ouvir no Alqueidão quase tão distintamente como nas casas daquela freguesia, o vento “Suão” escalador metia tudo num badanal.

Todas estas implicações dos sinos com a vida privada e pública, particular e oficial do povo da Freguesia acabaram por dar razão e origem à graciosa transformação em palavras, do timbre próprio dos sinos dos lugares mais próximos.

São eles, por ordem das distâncias quilométricas, os do Reguengo do Fetal, os de S. João de Porto de Mós, e os de S. Pedro da mesma vila.

Dessa transformação, resultou uma lengalenga, ou seja o arremedo do som característico de cada um deles, a qual tem esta forma literária:

Diz o sino do Reguengo:

– “Tem lêndeas, tem lêndeas, tem lêndias!”

O de S. João aconselha:

– “tira-lhas, tira-lhas, tira-lhas!”

Pergunta o de S. Pedro:

– “C’um quê? C’um quê? C’um quê?”

O do Alqueidão ensina:

– “C’um picão! C’um picão! C’um picão!”

(com base nas recolhas de Alfredo de Matos e na tradição oral)

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