O Peditório das Almas

A devoção às almas do Purgatório entre o povo da Freguesia, exprimiu-se ao longo dos tempos, com sufrágios de que fazem parte as orações particulares, em família e em comunidade, e pela celebração de missas.

O Peditório para as Almas fazia-se todos os anos. Era na Quaresma e normalmente ao Domingo.

Os rapazes da Freguesia tomavam à sua conta a prática da devoção. Começavam por criar um grupo, mais ou menos numeroso. Todos, ou quase todos, cantavam bem. Compreende-se que assim fosse, visto que o seu peditório se fazia a cantar de porta em porta.

Era assim:

O grupo dividia-se em duas partes. Cada uma delas entoava, alternadamente, as seguintes quadras:

À porta das Almas Santas
Bate Deus a toda a hora.
Almas Santas lhe perguntam:
O que quereis, meu Deus, agora?
 
Quero que venhas comigo
Para o Reino da Glória.
Já o sacrário está feito
Todo dourado por fora.
 
Já podemos adorar
Ao bom Jesus da glória.
Já o sacrário está feito,
Todo dourado por dentro.
Já podemos adorar
Ao divino Sacramento.
 
Sacramento divinal!
Oiro tão bem empregado,
Onde esteve o bom Jesus
Nove meses encerrado.
 
Ajoelhemos por terra,
Já não somos os primeiros;
Nossa companhia venha
Jesus Cristo verdadeiro.
 
Jesus Cristo verdadeiro,
Companheiro do Senhor,
Acompanhai nossa alma
Quando deste mundo for.
 
Quando deste mundo for,
Desta vida se apartar;
Quem boas obras fizer
Lá no céu as há-de achar.
 
Ó Almas Santas, benditas,
Peçam a Jesus nosso Senhor
Que esta nossa oração
Seja em vosso louvor.
 
Já vi homens e mulheres
Neste povo auditório;
Dá esmola se puderes
Às Almas do Purgatório.
 
As Almas do Purgatório
Sofrem de noite e de dia,
Por não terem quem lhes reze
Padre-Nosso e Avé-Maria.
 
Das Almas do Purgatório,
É bem que nos lembremos;
Nós havemos de morrer
Sabe Deus para onde iremos…
 
Nós havemos de morrer,
Nós havemos de acabar,
Nós havemos de dar contas,
Naquele estreito lugar.
 
Como Lázaro lhes pede
Que lhe não dês as fazendas…
Que lhe dês as migalhinhas
Que crescem das vossas menzas.
 
Esses bens que possuides,
Repartidos em vossas vidas,
Lá os achareis na Glória
Quando fores à partida.
 
As esmolas que vós dais,
Vede lá como as dais!
Já lá tendes vossos filhos,
Vossas mães e vossos pais.
 
As esmolas que vós dais,
Não cuidais que as comemos…
É de missas pelas Almas,
É devoção que trazemos.
 
Ó Almas Santas, benditas,
Peçam a Nosso Senhor,
Que esta nossa oração
Seja em vosso louvor.
 
Seja em vosso louvor,
Também da Virgem Maria.
Pelas Almas, Padre-Nosso!
Por elas Avé-Maria!
 
Por elas rezemos todos,
Com devoção e alegria!
A tormenta, dores e dores,
Lá continuam sofrendo.
 
Assim são as nossas Almas,
No Purgatório ardendo.
Ó Virgem da Piedade
A devoção nos obriga,
De rezarmos pelas Almas.
 
Rezamos-lhe com alegria.
As esmolas que vós dais
Dai-as lá com devoção!
Na terra, achareis o prémio,
Lá no céu a salvação.
 

Este era o peditório-oração que os rapazes iam repetindo, de porta em porta. Raramente o cantavam de fio a pavio devido à sua extensão. Umas vezes porque as pessoas os dispensavam disso, outras porque lhes pediam que trocassem o canto pelo sufrágio rezado.

No fim de uma ou de outra modalidade, vinha a dádiva. Havia quem oferecesse géneros alimentícios ou dinheiro. Quem oferecia produtos agrícolas, o que dava mais correntemente era trigo ou milho, pelo que os rapazes se apresentavam com dois sacos de linhagem.

Terminada que fosse a volta e a época do peditório, procediam à venda nos moldes habituais do que tinham recolhido, isto é, em hasta pública, anunciada à missa dominical e seguidamente apregoada repetidas vezes no adro até aparecer quem fizesse a arrematação.

Apurado o rendimento do peditório, logo que possível era feita a entrega do seu produto, sem qualquer quebra, ao pároco da Freguesia. Este anunciava o resultado total do peditório e dizia que o fim a que se destinava era Missas pelas Almas do Purgatório. Logo que estas estavam celebradas, informava disso a comunidade paroquial dando a conta exacta de quantas missas foram ditas, e da importância recolhida.

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