Páscoa

Antigamente, quando a população do Alqueidão se dedicava à agricultura e à criação de gado, durante o inverno os pastores levavam os rebanhos para a Serra, e por lá ficavam até àquela altura de Abril em que a Primavera já oferecia mais quantidade de pastos cá em baixo.

Se a Páscoa calhava em Abril, uma ou duas semanas antes dela começavam os preparativos para a volta que era na quinta-feira Santa ou na sexta-feira de Paixão. Até essa data, e durante as horas do pastoreio, cada um se entretinha a tecer uma série de archotes com moitas, feno seco, sargaços, pimenteira, alecrim e mais outros arbustos serranos. Tudo isto era depois muito bem ligado por meio de correias de trovisco para não se desmanchar. Para terem maior duração era depois tudo besuntado com borras de azeite.

Encontravam-se todos numa altura mais perto do pôr-do-sol, e começavam  a ensaiar os cânticos habituais.

Na tarde do dia da partida já os rebanhos estavam prontos a marchar até ao local fixado para o encontro de todos.

Os que tinham feito estadia pelo Covão da Micha, Chão Falcão, Andorinha, Chão Vermelho, Cabeça do Sol e Canivete, desciam para o Vale de Ourém. Ao lusco-fusco já estavam todos no Penedo Grande. Daí por diante caminhavam em silêncio.

Logo que anoitecia acendiam os archotes, e o ar ficava cheio do aroma resultante da queima do alecrim, do sargaço e da pimenteira. Nisto, a voz dum pastor rasgava o silêncio, e começava o canto dolente dos versos tradicionais.

Marchavam vagarosamente por aí abaixo a cantar em voz forte e bem timbrada. O seu canto contribuía de um modo muito poderoso para a criação da atmosfera de recolhimento imposta pelos mistérios celebrados nesta época litúrgica.

Tirando o canto dos pastores, nem palavra de homem, nem voz de animal ou pio de ave se ouvia! Daí, a extrema facilidade com que acompanhavam distintamente o drama que os versos iam desdobrando aos ouvidos de todos:

Bendita e louvada seja
A Paixão do Redentor,
Que, para nos livrar das culpas
Morreu por nosso amor.
 
Suportou grandes tormentos,
Duros martírios, na Cruz!
Morreu para nos salvar,
Bendito seja Jesus!
 
Na Vossa santa cabeça
C’roa de espinhos cravaram;
Entre agudíssimas dores,
Fontes de sangue manaram!
 
Vossos cabelos divinos
Foram em sangue ensopados,
Sangue que veio remir
Os nossos feios pecados.
 
Vossos puríssimos olhos
Choraram lágrimas ternas,
Para livrar nossas almas
Do Fogo e penas eternas.
 
Vossas santíssimas faces
Sofreram mil bofetadas;
Por duros, feros algozes
Escarnecidas, pisadas.
 
Vosso puríssimo rosto,
Cheio de escarros nojentos!
Por nossos feios pecados,
Sofrestes tantos tormentos!
 
Vossa puríssima boca,
Vinagre e fel amargoso
Provou, poupando nossas almas
De castigo eterno, horroroso!
 
Vosso pescoço divino,
De grossas cordas ligaram;
De rua em rua com elas,
Como réu Vos arrastaram.
 
Vossos puríssimos ombros
Pesada cruz conduziram;
Entre agudíssimas dores,
Mais e mais chagas se abriram!
 
Vossas puríssimas mãos
Pregaram nesse madeiro!
Dele, pendente, ficastes,
Senhor meu, Deus verdadeiro!
 
Vosso santíssimo peito
Foi cruelmente rasgado!
Dele correu, abundante,
Remédio para o pecado.
 
Os vossos pés sacrossantos
Foram, com ferros, fendidos!
Mas foi rasgada a sentença
Contra milhões de perdidos.
 
Vosso amável coração,
Pois o abriu dura lança!
Convida a que nele entremos,
Cheios d’amor e confiança.
 
Por mer’cimento infinito,
De tão amargosa Paixão,
Terno Jesus, concedei-nos
Dos nossos crimes, perdão.
 

Iluminando o caminho com os archotes e cantando a história da Paixão de Cristo, os pastores chegavam com os seus rebanhos ao cimo da Carreirancha.

Por costume de outros anos, os habitantes do lugar já sabiam que o cortejo se realizava por esta altura, e ainda os pastores vinham longe já ouviam a cantoria que enchia os ares. Todos queriam presenciar o espectáculo.

Das primeiras casas do povo saíam crianças de olhos esbugalhados, surpresas com o desfile. Interessava-lhes a parte vistosa da cena.

Os homens, de casaco pelas costas, ficavam pensativos, encostados à ombreira da porta. Preocupava-os o destino terreno e o sobrenatural.

As mulheres ficavam junto dos filhos pequenos, e não conseguiam conter as lágrimas que teimavam em saltar dos seus olhos.

A mesmíssima coisa se ia passar na Calçada, na A-do-Ferreiro, Fundo do Lugar e pelo Alqueidão fora. Ninguém era alheio nem indiferente em toda a correnteza de casas que ladeava o caminho, ou dos que ficavam lá mais para dentro do povoado.

Este cenário continuava sem a mínima alteração, até que algum pastor chegasse em frente à sua casa. Este ficava em casa e os outros continuavam a cantoria com o mesmo entusiasmo. Era assim até que cada um dos pastores chegasse a sua casa.

O que tinha de ser o último a recolher, encurralava o gado, mas nem por isso interrompia o canto. Isto só acontecia quando, já com o pé assente no arrebato da casa paterna, soltava o brado:

– “Bendito seja Jesus!”

Esta tradição terminou quando a população iniciou outras actividades para além da agricultura e criação de gado.

No domingo de Páscoa o sacerdote visitava todas as casas da aldeia levando água benta, amêndoas e confeitos. Depois de uma breve oração benzia o lar e distribuía as amêndoas pelas crianças presentes.

Este costume terminou quando chegou o Sr.Padre Frazão, que substituiu a visita pascal por uma procissão com o Senhor Ressuscitado que se realizava no final da missa do Domingo de Páscoa. No final da procissão era dada a benção a todos os presentes.

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Com a chegada do Padre Manuel Pedro, foi retomada a antiga Visita Pascal e algumas outras tradições.

A Vigília Pascal começa no Sábado Santo fora da igreja, onde o fogo é abençoado pelo Sacerdote. Este novo fogo simboliza o esplendor do Cristo ressuscitado dissipando as trevas do pecado e da morte.

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Na noite em que Jesus Cristo passou da morte à vida, reunimos-nos em oração. Esperamos em vigília a Ressurreição de Cristo.

A celebração da Vigília pascal tem quatro partes:

1 – A liturgia da luz: Bênção do fogo e preparação do círio pascal. O lume novo e o círio pascal simbolizam a luz da Páscoa, que é Cristo, luz do mundo.

2 – A liturgia da Palavra: Algumas leituras do Antigo Testamento, que recordam as maravilhas de Deus na história da salvação e duas leituras do Novo Testamento.

3 – A liturgia baptismal: Faz-se a bênção da fonte baptismal e a renovação das promessas do Baptismo.

4) A liturgia eucaristica: Memória do sacrifício da Cruz. Presença de Cristo Ressuscitado.

Por ter ressuscitado, Jesus Cristo vive. Ele vive hoje.

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