1755
O terramoto fez-se sentir na manhã de 1 de Novembro. O epicentro foi no mar, entre 150 a 500 quilómetros a sudoeste de Lisboa. A magnitude pode ter atingido 9 na escala Richter.
Os abalos causaram fissuras enormes de que ainda hoje há vestígios em Lisboa. O tsunami, que se seguiu (supõe-se que possa ter atingido pelo menos seis metros de altura), fez submergir o porto e o centro da cidade, as águas penetraram até Campo de Ourique. Nas áreas que não foram afectadas pelo tsunami, o fogo alastrou e os incêndios duraram pelo menos cinco dias.
Todo o sul de Portugal, sobretudo o Algarve, foi atingido e a destruição foi generalizada. As ondas de choque do sismo foram sentidas por toda a Europa e norte da África.
O que se passou no Alqueidão da Serra, foi relatado pelo pároco da freguesia, que na altura era o padre Sebastião Vaz, que respondeu a um questionário que lhe tinha sido enviado pelo Senhor Bispo de Leiria, sobre os estragos provocados pelo terramoto na freguesia:
1 – A que horas principiou o Terremoto do primeiro de Novembro, e que tempo durou?
– Pellas nove horas e hum quarto da manhan pouco mais ou menos principeava, e se percebeo nesta freguesia o primeiro Terremoto do primeiro de Novembro de 1755; e estando eu no conficionario tanto que percebi o que hera, e vendo concorrer a gente para a Igreja que pouca ficou que não fugisse a ella vendo a todas as pessoas em altas vozes pedindo a Deus Nosso Senhor Mizericordia asendi a sera no Altar abri a porta do Sacrario, e diçe a todos fizeçem o acto de contrição, e os absolvi, e hum Sacerdote que tambem estava diçe que me absolvesse, e tendo assim o Sacrario principiamos a Rezar alguns preses e oraçois huns Rezando ou pedindo Mizericordia que sertamente ninguem cuidou senão que hera o ultimo dia da vida para o Mundo todo; e neste tempo me chamaram para hum Sacramento e pella preça com que fui não pude julgar o tempo que duraria o Terremoto; Mas sempre julguei que seria sinco minutos pouco mais ou menos.
2 – Se se percebeu, que fosse maior o impulso de huma parte, que da outra, v.g. do Norte para o Sul, ou pelo contrario, e se parece, que cahirão mais ruinas para huma, que para outra parte?
– No tempo que estive na Igreja reparei que o impulsso seria maior da parte do Poente para o Nascente, por ver hum banco, que estava junto a mim, que se lavantava da parte do Poente para a parte do Nascente, e tambem alguas vezes se levantava do Nascente para a parte do Poente, mas não era com tanta forsa. Esta Igreja teve sua Ruina para a parte do Nascente, que ficou para ahi a parede inclinada, ao que já mandei acudir do modo possivel.
3 – Que numero de cazas arruinaria em cada Freguezia, se havia nella edificios notaveis e o estado, em que ficarão?
– Não se aRuinou caza alguma nesta minha freguezia. Nem sei que ficaçem em prigo algum, nem ha mais edefiçios, que esta Igreja, desta Feguezia, e huma ermida de Santa Catherina, que algum damno teve; mas foi quazi nada so se abrirão mais humas rachas que tinha nas paredes, que ja mandei Reteficar.
4 – Que pessoas morrerão, se algumas erão distintas?
– Não tenho que dizer neste Capitulo.
5 – Que novidade se vio no mar, nas fontes, e nos rios?
– A fonte ficou nella a agoa muito suja, de tal maneira que forão algumas pessoas para a buscar, e não a quizerão trazer e huma pessoa me dice que não corria como dantes.
6 – Se a maré vazou primeiro, ou encheu? Quantos palmos cresceu mais do ordinario? Quantas vezes se percebeu o fluxo, e refluxo extraordinario? Se se reparou no tempo que gastava em baxar a agoa, e quanto em tornar a encher?
– Tambem não tenho que dizer neste Capitulo.
7 – Se abrio a Terra algumas boccas, o que nellas se notou, e se rebentou alguma fonte de novo?
– Nem tambem neste.
8 – Que providências se derão immediatamente em cada lugar pelo Ecclesiastico, pelos Militares, e pelos Ministros?
– Logo, que se acabou o primeiro Terremoto fui fazer doutrina a meus freguezes; e estando á ela veio o segundo Terremoto, e logo sem mais demoras, eu, e os mais Sacerdotes que prezentes estavão fomos em procição cantando o terço de Nossa Senhora para huma Ermida da mesma Senhora com o titulo de Togeirinha que está neste lugar, mas na freguesia de S. João de Porto de Mos e se continuou por nove dias continuos os quais acabados se principiou outra novena ao Senhor S. Jose, e no fim sua festa com dois Sermois manhan e tarde, e huma procição com seus Endores, que não se fez ainda outra nesta freguezia semelhante, e passados quinze dias, se tornou a Repetir outra festa ao mesmo Senhor S. Jose Orago desta Freguezia; as devoçõis vam continuando, ás Ave Marias, Terço de Maria Santissima, e ao dipois Terço do Santissimo, como ja dantes se fazia; queira Nossa Senhora que não se enfade a gente.
9 – Que Terremotos tem repetido depois do primeiro de Novembro, em que tempo, e que damno tem feito? Se há memoria de que em algum tempo houvesse Terremoto, e que danmo fez em cada lugar?
– Haverá pouco mais ou menos vinte annos me dice hum clerigo que estando hum dia de noite estudando, sentira hum grande tremor de terra, e me perguntou se sentira eu; porque, tamburetes e menza aonde elle estava fizera grande movimento, e que tivera munto grande medo.
10 – Que numero de Pessoas tem cada huma Freguezia declarando se poder ser, quantas há de diferente Sexo?
– As pessoas que há nesta Freguezia do masculino sexo sam cento, e vinte, e nove, e do sexo feminino, cento, e quorenta.
11 – Se se experimentou alguma falta de mantimentos?
– Neste não tenho que dizer.
12 – Se houve incendio, que tempo durou, e que damno fez?
– Tambem neste não há que dizer.
E isto he o que soube ter suçedido nesta Freguezia de S. Jozé do Alqueidão da Serra deste Bispado de Leiria.
Menor Subdito de Vossa Excellencia Reverendissima
O Cura Sebastiam Vaz”
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), “Ministério do Reino”, maço 638
Um documento histórico com uma interessante e pormenorizada descrição dos abalos de terra sentidos no Alqueidão da Serra, como consequência do grande terramoto de 1 de Novembro de 1755, que destruiu Lisboa e matou centenas de pessoas.
De assinalar a escrita rica em erros ortográficos, que se compreende devido às fraca escolaridade que nessa época existia para as pessoas do povo, de onde esse eclesiástico certamente era originário.
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As historias que a Dulce partilha com os Alqueidenenses sao dignas de reconhecida apreciacao, especialmente para os ausentes do nosso pais , alguns ha mais de meio seculo. Bem haja.
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