Os Monólogos do Abel
Foi por volta do ano de 1951 que os teatros começaram a realizar-se com maior frequência nesta aldeia, uma vez a equipa de futebol precisava de arranjar dinheiro para comprar o campo da chã e também era preciso comprar os equipamentos para os jogadores.
Com a sua queda natural para a comédia, Abel Laranjeiro foi considerado por todos os que tiveram o privilégio de o conhecer, como um homem sem igual, inimitável.
O palco era o lagar do Furriel. Lá se realizavam as peças de teatro e outros divertimentos. As sessões começavam sempre com o bailado, logo a seguir havia um momento de poesia e finalmente a peça de teatro.
No dia do espectáculo o Abel lá aparecia, sempre todo desalinhado, para desespero da sua esposa Alice, que achava que os outros iam sempre todos janotas.
Ele faltava sempre aos ensaios, só dava uma vista de olhos no texto do papel que ia desempenhar, e no dia da estreia chegava com a camisa fora das calças, o interior o bolso virado para fora, apoiado numa bengala de figueira muito grossa imitando os gestos do Charlot.
Logo no inicio do espectáculo começava o bailado com um grupo de rapazes e raparigas a executar algumas danças, nisto aparece o Abel a dançar, “todo maluco”, instala-se a confusão e os dançarinos perdem o passo de dança. O público ri às gargalhadas.
Quando chega a altura da peça, em vez de recitar o papel que lhe cabe, o Abel diz tudo o que lhe passa pela cabeça mas de um modo tão tranquilo como se estivesse mesmo a desempenhar o seu papel. Para os outros actores é que era uma aflição, pois o que tinham ensaiado tinha que ser mudado rapidamente para dar com as trocas do Abel. O próprio “ponto” tinha que gesticular constantemente para chamar a atenção para os erros, mas sem sucesso.
O resultado era sempre uma comédia muitíssimo divertida, onde o público até chorava de tanto rir, sem nunca se dar conta da trapalhada que tinha havido no palco.
Normalmente, antes de subir o pano, o Abel aparecia no palco sentado, com as mãos e o queixo apoiados na bengala, e assim permanecia olhando para o publico. Era o inicio da risota. Então começava com o seu monólogo.
O monólogo mais famoso foi quando entrou no palco em cuecas e com as calças junto aos pés começou a dizer:
“Já estou um pouco mais aliviado, mas estive atrapalhado! Eu inté já via lume; valeu-me nesta aflição haver aqui um tapume, um prédio em demolição! Se tal não conquistei…não sei! Às calças deitei a mão, e…. lá vai disto que manda a lei! Safa…! que valentissima espiga! Vocências nunca tiveram assim uma dor de barriga?… Eu não sou um infeliz, e já me vem de petiz, pois o que me aconteceu, não fiquei admirados, porque eu, índa bem não, por mal dos meus pecados, ando com as calças na mão.
De madrugada, corro à privada o sol a nascer, torno a fazer Durante o dia vou p’ra bacia Se a tarde vem, lá estou também a noite a fechar e eu a cag….. Safa! Pareço um cano de esgoto, e quem me vir diz que eu sou roto. Não sou não! Isto é fraqueza, é moléstia concerteza.Uma vez fui passear com uma dama de galante, apreciando a paisagem, num diálogo interessante. Mas após alguns momentos, acompanhado de uns ventos (nesta altura começa a esfregar a barriga), ela falava, falava, dizia coisas de sobra. E eu só disse, lá vai disto que é abóbora.
Eu fiquei comprometido, e ela indignada e com razão: Ó seu atrevido, seu grande malcriadão!
Não sou não! Isto é fraqueza, é moléstia concerteza!
Foi tremenda esta borrasca, mas que havia eu de fazer, pois estava mesmo à rasca e não me pude suster.
Doutra vez fui convidado para assistir a um noivado, ali perto de Belém. Eu cá sentia-me bem, mas não sei se foi dos vinhos, dos doces, ou dos pastelinhos, que se repente, ai meu Cristo e não pude aguentar… Lá vai disto pr’aliviar.
Vocência não imagina, mas foi tão grande a quantidade que eu quando acabei, calculei dez quilos bem à vontade.
Vocência dirá com seus botões…. Este é o rei dos cag… Não sou não! isto é fraqueza, é moléstia concerteza.
D’outra vez… (de repente começa a desabotoar as calças) Ai, ai, ai! meus senhores não posso ter mais demoras, senão tenho que gritar… lá vai disto pr’a acabar!!”
Bom trabalho
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