O Salto para França

Durante as décadas de 50, 60, e inicio da década de 70, saíram do país, clandestinamente, cerca de dois milhões de portugueses. Todas essas pessoas resolveram partir em busca de uma vida melhor para si e para as suas famílias.

Portugal vivia uma ditadura, uma guerra colonial e uma extrema pobreza rural. Fugir ao regime, à guerra ou à miséria, era a única solução. Mas para poderem sair de Portugal precisavam do então conhecido “passaporte de coelho”: uma fotografia rasgada, doze contos, e um Passador que os levaria na viagem das suas vidas.

Nessa época, foram muitas as pessoas do Alqueidão que partiram “a salto” para França. Fugiam pela calada da noite. Pela frente esperavam-nos duas fronteiras, a PIDE (Policia Internacional de Defesa do Estado), a Guarda Fiscal Portuguesa, a Guarda Civil Espanhola, os Gendarmes Franceses e 2.000 km para fazer a pé.

Muitos deles nunca chegaram a passar a fronteira. Morreram afogados nos rios, de frio nas montanhas, de fome, sede, fraqueza. Ou simplesmente porque se perdiam ou eram mortos pelos próprios passadores ou pela polícia.

Viriato despediu-se de seu pai com um “até amanhã” e partiu. Juntou-se a outros dois rapazes do Alqueidão e um dos Bouceiros.

Seguiram viagem no carro do Passador que os levaria para fora do país. A certa altura a Policia mandou-os parar, mas quem os conduzia não obedeceu às ordens e carregou ainda mais no acelerador. Ouviram um tiro e todos baixaram as cabeças supondo que fosse para as rodas, e não pararam.

Quando puderam levantar a cabeça perceberam que Viriato estava morto. Um tiro na nuca. Tinha 17 anos.

Se ficassem ali por mais algum tempo, sabiam que iam presos. O Passador disse que queimava o corpo ali mesmo, e que os levaria para França conforme estava inicialmente previsto.

Não! “Não vamos abandonar o nosso amigo”, disseram eles.

Voltaram. Viram o pai, inconsolável, lavado em lágrimas, olhando para o corpo do filho ainda coberto com os seus próprios casacos,  e ouviram um policia dizer-lhe:

-“não o deixasse ir”.

Foram presos por terem tentado sair do país clandestinamente, mas Viriato foi sepultado com dignidade no cemitério da sua terra.

Muitas lembranças ficaram destes tempos tão difíceis. Os que conseguiram chegar a França, lembram que uma parte terrível era a travessia dos Pirenéus, que era feita de noite. Mais tarde quando olhavam para as montanhas, diziam: “ainda bem que passamos aqui de noite.! Se tivéssemos visto bem não tínhamos conseguido passar“.

Chegavam lá só com a roupa que levavam vestida. Não sabiam a língua, não conheciam nada, nem ninguém. Eram encaminhados para os bairros onde já estavam outros portugueses, e procuravam alguém conhecido. Naquelas cabanas sem condições nenhumas cabia sempre mais um.

almanaque

Depois iam à procura de trabalho. Aceitavam qualquer tipo de serviço e trabalhavam de dia e de noite, até conseguirem comprar ou alugar uma casa. Mandavam para Portugal, para a família, todo o dinheiro que conseguiam arranjar.

emigrantes

Com o passar do tempo, e com a mudança das condições de vida em Portugal, alguns construíram cá a sua casa e acabaram por voltar para a terra que os viu nascer.

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4 respostas a O Salto para França

  1. Rogério diz:

    Que bela história, mas verdadeira.

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  2. jmiguelborges diz:

    Grato pela partilha Mano. Especial! Muito.

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  3. Obrigado Dulce nao conhecia esta fotografia do meu pai Inocencio Reis Calvario
    Graça Reis

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  4. Sim senhor … Lembro-me bem.
    O Viriato era um dos bons jogadores de bola ( ao tempo talvez a melhor promessa no Alqueidão) … um ou dois anos mais do que eu.
    Foi um dos dois funerais que mais me marcaram.
    … O outro … o outro foi o do Paulo Reis (Paulo do AMARAL)

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