No início do século XX começou a era do serviço militar obrigatório que viria a prolongar-se por cerca de um século.
Os rapazes tinham que “ir às sortes” logo que completassem os 18 anos de idade. “Ir às sortes” como se dizia na época, era ser chamado para a inspeção militar. Boa sorte se ficasse livre, má sorte se fosse apurado.
Era a tropa! Dizia-se que era lá que os rapazes se faziam homens!
Os nascidos em 1927 quando chegou a sua vez de ir às sortes, lá se juntaram para ver que sorte lhes calhava.
Ir às “sortes” representava ultrapassar a fase de rapazola para homem feito e pronto para a vida, pronto até para ir para a guerra.
A vida era interrompida por dois, três e até quatro anos, e nesse período os rapazes eram confrontados com experiências que iam desde longas deslocações para os quartéis em terras distantes, viagens para o Ultramar, participação na guerra colonial, ou o que lhe calhasse em sorte.
Para os rapazes da aldeia, pobres e desprotegidos, habituados a trabalhar na terra lado a lado com os adultos, ser apurado para a tropa podia significar comida a horas e mesa farta, se tivessem a sorte de não serem chamados para a guerra.
E todos os anos era a mesma angustia para as famílias, que tinham que ver partir os seus rapazes.
Em 1963, os rapazes do Alqueidão que foram chamados para “ir às sortes” decidiriam ir primeiro para a borga todos juntos para a Nazaré, e até tiraram uma fotografia para memória futura. Só faltaram dois: um rapaz dos Bouceiros e outro dos Casais dos Vales.

Da esquerda para a direita, sentados: Álvaro Saragoça, Inocêncio Santos, Tormenta, Revisa. Em pé: Alfredo Geda, Avelino Marto, Carlos Batista, Manuel Cachudo, Alfredo Lateiro e Anibal Caipira
O dia das sortes foi um dia marcante para todos eles. Logo para começar foi necessário ultrapassar o constrangimento de estar em pelota numa fila à espera de vez para ser observado pelos militares que ali se deslocaram para o efeito.
Foram todos apurados, altos e magros, fortes e fracos, e alguns foram logo chamados a combater no Ultramar. Os que ficaram por cá podiam ser chamados a qualquer momento para substituir os que tinham ficado feridos em combate.
As famílias ficavam com aquela angustia de não saber se os voltariam a ver, ou se eles regressariam com saúde, e com toda a fé, entregavam-nos à protecção de Nossa Senhora oferecendo por essa intenção a oração do Terço do Rosário todos os dias.
Felizmente regressaram todos, no entanto não se pode dizer que… com saúde.
O Geda faleceu pouco tempo depois de regressar a casa. Voltou doente, estava tudo preparado para o casamento, mas ele não recuperou a saúde, e acabou por falecer. Os outros foram resistindo às mazelas e vivendo as suas vidas.
Ao longo do anos, até chegar a 2017, além do Geda, perdemos também o Avelino Marto e o Carlos Batista, que recordamos neste dia 15 de Março, que no ano de 1961 marcou o inicio da guerra em Angola.
Tambem eu senti na pele a guerra colonial pois estive na Guine com alguns conterranios alguns dos quais continuam ai a morar outros ja faleceram mas e sempre bom ver que alguem ainda nos vai recordando obrigada
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Passei e gostei do que vi e li. Relato de experiência de vida daqueles que, nesse tempo, iam “às sortes”, desejando que a seguir não houvesse o “ir para a guerra” colonial, que ceifou a vida a milhares de jovens portugueses (e de guerrilheiros das colónias) deixando muitos outros milhares cheios de problemas, incapacitados, física e psicologicamente. Porque também “lá estive”, vai um abraço de fraternidade, para todos os dias, e um até sempre. Manuel Sá.
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