Ana Margarida Amado

Natural de Alqueidão da Serra, Ana Margarida, filha de João Amado Batista e Maria de Fátima Amado Roque, era investigadora na Unidade de I&D Química-Física Molecular, e dedicava o seu trabalho maioritariamente à espectroscopia vibracional associada a cálculos de mecânica quântica.

Nos últimos anos dividia o seu tempo entre o Departamento de Química da Faculdade de Ciências e Tecnologia Universidade de Coimbra, e a casa dos pais em Alqueidão da Serra.

Apercebendo-se das grandes dificuldades que as pessoas do Alqueidão da Serra tinham no acesso aos Serviços de Saúde, ajudou a fundar a Associação de Utentes de Saúde de Porto de Mós, Ur’Gente.

Presidente da Ur’Gente – Associação de Utentes de Saúde de Porto de Mós, Ana Margarida Amado

A Guida era o rosto e a voz da luta dos utentes do concelho de Porto de Mós pelo direito a melhores cuidados saúde. Ouvia toda a gente com carinho e atenção e interessava-se pelos problemas que existiam tentando sempre resolver as questões que incomodavam as pessoas da sua terra.

Na quarta-feira de cinzas do ano de 2022 a nossa Guida deixou-nos…

Tinha 57 anos.

A melhor homenagem que lhe podemos fazer, é continuar a sua luta pela garantia de melhores cuidados de saúde, não só no Alqueidão da Serra mas também em todo o concelho de Porto de Mós, com a mesma coragem e determinação que ela tinha…

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Geração Filhó

As alcunhas também são hereditárias.

A Família Pereira é disto um exemplo porque tanto o pai como os filhos como alguns netos ficaram com a alcunha “Filhó”.

Começou quando, na Carreirancha, Manuel Pereira (Manuel Filhó) se casou com a Guilhermina Correia.

Tiveram 5 filhos:

  • Manuel Pereira (de alcunha Filhó – nome e alcunha igualzinho ao pai)
  • José Pereira (de alcunha Filhó – Zé Filhó)
  • Maria
  • Maria da Encarnação (nasceu a 6 de Março de 1905)
  • António Pereira

Manuel Pereira (Manuel Filhó)

Manuel Filhó casou com Maria da Silva, (uma das filhas da Ti Ana do Vitório), e tiveram 9 filhos todos eles de apelido “Silva Pereira”:

Nenhum deles ficou conhecido pela alcunha do pai.

José Pereira (Zé Filhó)

O Zé Filhó casou com Mónica da Silva.

Tiveram 5 filhos, todos eles de apelido “Silva Pereira“.

Narciso (falecido)

António

José Augusto

Manuel Gonçalo

Maria Filhó ( é Maria da Conceição) .

Maria Filhó com 2 irmãos: Augusto e Manuel Gonçalo

Maria

A Maria era casada com o Domingos (Conena), e tinha 7 filhos. Esta família decidiu deixar o Alqueidão da Serra e acabaram por se fixar em Casais da Arroteia, um lugar que pertence à freguesia de Malaqueijo, e foi lá, nos Casais da Arroteia, que a geração dos “Pereira” continuou.

  • Casais da Arroteia
  • Freguesia: Malaqueijo
    Concelho: Rio Maior
    Distrito: Santarém

Maria da Encarnação

Maria da Encarnação tinha a alcunha de “Maria Isaura” sabe-se lá porquê! Mas naquele tempo as madrinhas é que davam o nome aos afilhados, pode ser que a madrinha se chamasse Maria da Encarnação e desse esse nome à criança no batismo, mas os pais preferiam Maria Isaura, e por isso chamavam-lhe sempre Maria Isaura. É uma hipótese provável, que já ninguém consegue validar, porque já ninguém se lembra.

O certo é que a Maria Isaura se casou com Francisco e tiveram 8 filhos:

  • Maria Celeste de alcunha “Maria Isaura” que era a alcunha da mãe. Foi casada com o Alberto da ti Alexandrina.
  • Arlindo casado com a Maria José (filha da Maria Roubadora).
  • Graciete que mora atualmente no Canadá
  • Fernanda que mora atualmente no Canadá
  • Manuel da Costa Bértolo que já faleceu, e que era casado com a Maria da ti Clementina.
  • José da Costa Carreira que já faleceu, e que era casado com a Lucília da Carreirancha (Buçala)
  • Mário da Costa Bértolo que já faleceu e que era solteiro.
  • Olinda que faleceu no Canadá em 13 de Janeiro de 2022.

António Pereira

O António foi para o Brasil quando ainda era solteiro. Trabalhava nos navios e costumava andar embarcado. Um dos irmãos vendeu todos os seus terrenos no Alqueidão da Serra, e enviou todo o dinheiro lá para o Brasil. Nunca mais cá voltou. A geração dos “Pereira” continuou no Brasil…

Resumindo:

Esta alcunha já não vai passar para as gerações seguintes porque, dos mais novos, já cá não se conhece ninguém que responda por esta alcunha.

Agradecimentos

Agradeço à Olinda, ao Ti António, ao Zé Augusto, à Maria Filhó e à Maria Isaura por terem partilhado comigo as suas lembranças que permitiram fazer este trabalho. Muito obrigado.

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Flashes de 2021

No dia 1 de Janeiro, não veio o padre José Frazão Correia, celebrar connosco. Na missa há menos lugares por causa do distanciamento obrigatório, e não houve procissão com Santo António, São Silvestre e o Menino Jesus, nem a benção e nem a venda de pinhões.

A situação no meio do mês de Janeiro não era nada animadora.

Iniciou um novo período de confinamento, que vai até ao fim do Mês.

Na segunda quinzena de Janeiro foi detetada em Portugal a variante Inglesa da Covid19 mais contagiosa e mais mortífera.

Fecharam as escolas e decretaram que o confinamento iria até 9 de Março.

No dia 22 de Janeiro foi detetado em Lisboa um caso de infeção pela variante da África do Sul.

As Igrejas fecharam e as missas passaram a ser todas online.

E até ao fim do Mês de Janeiro registam-se novos recordes de infeções todos os dias. Portugal está a negro nos mapas mundiais. O SNS já não tem capacidade de resposta. Começou a chegar até nós a ajuda internacional.

Iniciou a Quaresma na quarta-feira de cinzas e não pudemos realizar a eucaristia em conjunto, como era normal.

Nada é normal agora.

Tomada de posse do CEP

Por não ter sido possível em Janeiro por causa do confinamento, teve lugar no dia 21 de Março a cerimónia de tomada de posse do novo Conselho Económico Paroquial. A paróquia de São José do Alqueidão da Serra ficou ao cuidado desta nova equipa que vai trabalhar em conjunto com o padre Vitor, durante os próximos 3 anos.

Quaresma 2021 -Últimos dias

Benção das Mães e dos Bebés

A Benção das mães, futuras mães e bebés, que não foi possível fazer no dia de Nossa Senhora das Candeias (2 de Fevereiro) devido ao confinamento, ocorreu hoje 25 de Março que é dia da Anunciação. Sem velas, sem as crianças da catequese, sem a igreja cheia, mas cumprindo todas as regras de segurança recomendadas.

Domingo de Ramos

As celebrações comunitárias têm que respeitar todas as regras de segurança. A vivencia da Semana Santa que começa no Domingo de Ramos é assinalada com uma Cruz na entrada das nossas casas.

Sexta-Feira Santa

Na Sexta-Feira Santa nunca houve Eucaristia. Neste ano de 2021, a Via-Sacra na Igreja foi às 15:00 horas, a que se seguiu a celebração deste dia, ou seja, a Liturgia das Horas, a celebração da Palavra, a Oração Universal, e a adoração da Cruz. As leituras centraram a atenção no Mistério celebrado: o quarto cântico do Servo, segundo Isaías; a Carta aos Hebreus e a Paixão, segundo S. João.

Por causa do confinamento na igreja só podem estar duas pessoas em cada banco, e por isso o espaço estava cheio com pouca gente.

Visita Pascal 2021-04-10

Maio

A última fase de desconfinamento começou dia 2 de Maio. Restaurantes, cafés e pastelarias podem agora ter seis pessoas por mesa no interior e dez em esplanadas, os grandes eventos poderão realizar-se consoante orientações da Direção-Geral da Saúde e os espaços de casamentos e batizados aumentam a sua lotação para 50%.

Junho

Em Junho foi a Festa de Nossa Senhora da Tojeirinha. Não se pode fazer como manda a tradição, mas houve missa no Largo da Capela e no final havia sopa, para levar para casa.

Julho

Em Julho realizou-se a festa da Profissão de Fé, com missa no Adro da Igreja e todas as precauções recomendadas.

Agosto

Chegamos a Agosto e é altura da Festa em honra de Nossa Senhora que este ano está a cargo dos nascidos em 1981. O Serviço de restaurante teve de ser take away, mas ainda assim havia os tradicionais Bolos das Festas, Cavacas, Coscorões e Morcelas.

Também não houve procissões mas os andores com as imagens de Nossa Senhora e São José percorrerem toda a aldeia.

No dia 21 de Agosto foi a missa da festa dos nascidos em 1961. Também não houve almoço nem convívio para não agravar a situação pandémica.

Ainda em Agosto realizou-se nos Bouceiros a tradicional festa de São Bento e Santa Quitéria, também sem convívios e mantendo as devidas distancias.

Setembro

Em Setembro já andava todo o mundo muito empenhado na campanha eleitoral para as Autárquicas 2021, marcadas para 26 de Setembro. Para a nossa freguesia nem era necessário campanha porque apenas existia uma lista, JFAS – Juntos fazemos o Alqueidão da Serra, composta por pessoas que já estão ao nosso serviço desde 2013.

Outubro

Em Outubro realizou-se a Festa do Sagrado Coração de Jesus, com o leilão das ofertas no fim da missa, como manda a tradição.

Novembro

O dia 1 de Novembro é dia de Pão por Deus. Este ano as crianças pediram pão por Deus como manda a tradição.

No dia 2 é dia de Fiéis Defuntos. Lembramos aqueles que já partiram, e fazemos a romagem aos cemitérios. De 2 de Novembro de 2020 até 2 de Novembro de 2021 faleceram 45 pessoas naturais da nossa freguesia. Este numero inclui os que faleceram no estrangeiro e não foram aqui sepultados.

No domingo 21 realizou-se no adro da igreja, uma atividade para adolescentes e jovens.

A missa das 11h30 também foi no adro, com a entrega do símbolo das Jornadas Mundiais da Juventude 2023.

Dezembro

No ultimo mês do ano a situação epidémica piorou bastante com a entrada da nova variante Omicron.

Sempre com a sombra Covid a pairar por cima das nossas cabeças, as nossas celebrações têm modificações bastante significativas. Não existe abraço da paz. A comunhão é na mão. Ninguém pode entrar sem máscara e sem desinfetar as mãos. Nesta altura do ano a tradicional adoração ao Menino Jesus fica reduzida a uma vénia diante do Menino.

Passagem do Ano

No dia 30 de dezembro a Autoridade de Saúde comunicou-nos a existência 26 novos casos covid-19 nas últimas 24 horas no Concelho de Porto de Mós. Isto significa que na Passagem do ano cada um fica na sua casa como tem sido normal ultimamente.

Que 2022 seja uma ano de cura… e de paz.

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Restauração da Independência

A 1 de Dezembro comemora-se o dia da Restauração da Independência de Portugal do domínio Filipino. Na manhã de 1 de Dezembro de 1640, um grupo de conspiradores invadiram o Palácio Real, mataram o representante da Espanha em Lisboa, Miguel de Vasconcelos e aclamaram D. João, duque de Bragança, como rei de Portugal. Foi o fim de um período de grande descontentamento por parte da população portuguesa, que já não suportava a União Ibérica que existia entre Portugal e Espanha, e que originou problemas com sobrecarga de impostos e envolvimento de Portugal nos conflitos de Espanha.

300 anos depois…

No dia 1 de Dezembro de 1940 este acontecimento ficou assinalado no Alqueidão da Serra com inauguração do Cruzeiro da Independência.

Este monumento lembra-nos dois momentos importantes da história de Portugal:

  • A formação do Reino de Portugal em 1140, quando D. Afonso Henriques se afirmou como rei de Portugal com o apoio dos nobres portugueses, sendo depois reconhecido como rei soberano com o Tratado de Zamora em 1143.
  • A restauração da Independência em 1640.

Ata de inauguração do Cruzeiro da Independência

“No ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil novecentos e quarenta, no primeiro dia do mês de Dezembro, veio ao local onde agora fica o chamado Cruzeiro da Independência, grande multidão de povo, vindo dos diversos lugares da Freguesia com o fim de assistir à bênção e inauguração do Cruzeiro – pôde ele ser construído com o produto duma subscrição aberta entre os habitantes do Alqueidão e Carreirancha, que para se associarem às comemorações dos centenários VIII da Fundação e III da Restauração de Portugal, quiseram mandar erguer este padrão.

Todo ele de pedra de cantaria, consta de dois degraus formando quadrado, do meio dos quais se levanta um pedestal sobre o qual se levanta uma coluna redonda encimada por uma pedra lavrada, formando quatro faces, numa das quais se desenha o escudo da bandeira portuguesa, noutra, a esfera armilar e nas outras duas uma espada e cruz cruzadas. Por sobre esta assenta outra pedra circular em forma de coroa e é desta que sai uma cruz latina com que termina todo o monumento.

Mede este seis metros em toda a sua altura e no pedestal está gravada esta inscrição:

VIII Centenário da Independência

III da Restauração de Portugal

1940

Foi empreitado, incluindo o seu assentamento, por 1.380 escudos.

Às nove horas e meia desse dia, o pároco celebrou a missa paroquial que foi cantada, subindo ao púlpito na altura própria para fazer a homilia. Enalteceu as glórias cristãs de Portugal, a fé dos seus paroquianos, lançando a maldição sobre os que, no presente ou no futuro, venham a negar a fé e a fazer irreverências a este Cruzeiro. Terminada a missa, organizou-se um cortejo em que tomaram parte os organismos da Acção Católica, Juventude Católica, masculina e feminina, Liga dos Homens da Acção Católica, Cruzada Eucarística, crianças das escolas do Alqueidão, dos Bouceiros e dos Casais com seus professores, trazendo cada qual seu distintivo e estandarte, e muito povo. No local, procedeu o pároco à bênção do Cruzeiro acrescentando algumas palavras ditadas pelo seu espírito patriótico. Foram recitadas poesias por diversas crianças e outras pessoas, houve um pequeno coro falado em que tomou parte muita gente, tendo pronunciado discursos, Fernando António Pereira, professor primário oficial do Alqueidão e António Luiz Fernandes também professor primário em Leiria.

O bom acolhimento que esta festa havia de ter, manifestou-se logo na generalidade das ofertas para a despesa a fazer com este monumento, e por isso o entusiasmo foi grande neste dia de verdadeira festa patriótica em que estrugiram os vivas e aplausos. Deixemos esta acta que vai ser arquivada, como testemunho e exemplo para os vindouros, da nossa fé religiosa e patriótica, formulando o voto de que no ano cinquentenário desta celebração, o então pároco desta freguesia promova, em dia e mês que parecer mais conveniente, a celebração duma missa cantada pelas almas daqueles que hoje tomaram parte nesta festividade e se empenharam por ela, para que, ao relembrar esta data, ao sufrágio se junte o estímulo da devoção e patriotismo que devem atear-se na alma dos portugueses. Com fé de que os presentes que Deus deixar chegar a esse dia empenhem a sua palavra. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Alqueidão da Serra, Junto do Cruzeiro da Independência ao primeiro dia de Dezembro de 1940. E eu Henriques Antunes Fernandes, pároco desta freguesia a subscrevo”.

Este documento teve uma influência tão grande na vida e toponímia do Alqueidão que, daí por diante, falar no Cruzeiro era, e continua a ser exatamente a mesma coisa que referir-se a este. Ele é o Cruzeiro por excelência.

Cruzeiro da Independência

 

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Aventuras da Rapaziada

Um grupo de amigos, já homens maduros, que na sua adolescência e juventude frequentaram o seminário e que há largas décadas não se viam, combinaram um encontro.

Tirando uma pequena minoria que subiu os degraus do altar, cada seguiu à sua vida. Constituíram família e enveredaram pelas mais diversas ocupações e ofícios.

Passaram décadas e estes velhos companheiros reuniram-se, e recordaram os tempos antigos, e as histórias engraçadas que cada se lembrava. Decidiram então em conjunto, escrever um livro.

Assim surgiu “Caminhos Trilhados”. O livro tem 18 autores, e um deles é do Alqueidão da Serra.

Manuel Amado Carvalho, natural do Alqueidão da Serra, entrou no Seminário em 1957 e saiu em 1961. Neste livro conta algumas peripécias passadas no seminário, e também as suas aventuras em criança, quando ainda estava com a família no Alqueidão da Serra.

Deu-lhe o titulo, “Sustos da minha infância”.

Manuel Amado Carvalho

Depois de descrever algumas aventuras passadas no Alqueidão da Serra e também no tempo em que esteve no seminário, a sua narrativa termina assim:

“Agora, para terminar esta minha odisseia, sobra-me ainda inspiração para dar a conhecer mais alguns episódios que demonstram a liberdade selvagem da minha primeira infância, recordada com nostalgia, em nada comparável com as crianças de hoje, nomeadamente os meus adoráveis netos.

Cada um usufruía da possibilidade de se inventar e até de se exceder a si próprio, mobilizando os amigos mais próximos quer para os jogos de rua a que todos estávamos habituados, como o do pião, do berlinde, das covinhas ou do hidroavião, quer também para outras descobertas aventureiras!

Num dia de verão, lá estávamos, como previamente combinado, os sete ou oito reguilas de sempre, decididos a fazer um passeio de descobertas de alguns lugares que conhecíamos apenas por deles termos ouvido falar aos pais ou a outros mais velhos.

A rota tinha sido acordada dias antes em assembleia da tribo em que um, mais conhecedor dos trilhos, se elegera para guia.

A primeira etapa, depois de reunidos todos os participantes, teria inicio no alto da Carreirancha, em direção à Estrada Romana, nessa altura ainda não divulgada como tal. Não havia conhecimento histórico para que as pessoas soubessem que fora construída e utilizada para ligar o trajeto de Tomar à minas de ferro do Zambujal de Alqueidão da Serra, a Porto de Mós e ao litoral. Por isso, os vestígios eram quase invisíveis uma vez que, com o passar dos séculos, estava praticamente submersa com terra, detritos e folhagem.

A meta seguinte seria a passagem pelas Penas do Ninho do Corvo, para nos certificarmos da existência das Figueiras do Diabo. As penas do Ninho do Corvo são uns penhascos existentes entre dois montes e o planalto, formando um desnível abrupto inacessível ao comum dos mortais e onde crescem pequenas figueiras a que chamam as Figueiras do Diabo.

Segundo conta a lenda, alguém teria colhido folhas dessas figueiras, para fazer chá para cura de alguma maleita, tendo ido desta para melhor!

Chegados ao planalto, todos queriam sentir debaixo dos pés o som do vazio do subsolo. Todos batiam o pé no solo, como que numa dança de índios, para detetar onde o som era mais percetível. “Olha aqui” dizia o Bicú, “parece que estamos sobre a tampa de um poço”. O Merco, que ria para dentro, de boca fechada, dizia: “Aqui… aqui parece um bombo”. O Bilau, que vomitava palavrões grandes, apesar de ser o mais pequeno do grupo, falava mais alto do que qualquer outro: “Aqui, aqui é que parece que está tudo roto!.”

Eu era talvez o único que tinha ainda o nome parecido com o da pia batismal: Manel ou Maneljacinto, este ultimo uma conjugação com o nome do meu pai, que Deus o tenha! Bicú, Bilau, Merco, Zé Careca, Tabucha, Zé Pipa, Finura, Machaqueiro, etc., eram as alcunhas pelas quais os meus colegas eram conhecidos.

Sobre o Merco teria muito que contar. Poucos anos mais tarde, andava eu no Seminário, passou a ser conhecido por Sacôta. Segundo apurei, ele era o sacristão nessa altura, em substituição do seu irmão mais velho. Tanto um como outro já faleceram, mas atrevo-me a contar a seguinte história:

Como era habitual, os foguetes que sobravam das festas eram guardados numa dependência da Igreja Paroquial tendo ele, na qualidade de sacristão, acesso a essa arrecadação. Um belo dia, talvez no Carnaval, o Merco lembrou-se de ir aos foguetes e tirar-lhe as bombas para depois as rebentar.

Para seu grande azar, uma dessas bombas foi segurada tempo de mais na mão depois da ignição tendo, coitado, ficado sem todos os dedos da mão esquerda. A partir daí o Merco passou a ser conhecido como Sacôta, o mesmo que dizer, sacristão da mão côta.

Para fazerem ideia de como era o Sacôta, antes que mais lhes conte, ouçam esta: nesse tempo o pároco do Alqueidão da Serra era o Dr. Américo Ferreira, que tinha uma motorizada marca Seta com a qual se fazia transportar para os restantes lugares da paróquia. Certo dia a motorizada do padre ficou quase sem nenhuma gasolina. Não fora o conhecimento da técnica, dado que a motorizada tinha ainda uma pequena reserva para a qual era necessário rodar a torneirinha do depósito, o Sr. Padre teria tido que deslocar-se a pé até à bomba de gasolina, que distava cinco quilómetros. Pelo que se soube, o pestinha do Sacôta roubara a motorizada ao padre e divertira-se algumas horas até acabar a gasolina. Valeu-lhe somente um puxão de orelhas!

Mas o Sacôta tem mais! Ele próprio me contou que ia frequentemente à garrafa do vinho das celebrações. O vinho especialmente feito para esse fim pelo Sr. Carlos, com as melhores uvas moscatel, era guardado na sacristia, lugar onde o Sacôta não hesitava ir e vazar uns goles pela garganta a baixo! Em seguida, juntava um pouco de água, de modo a que se mantivesse na garrafa a quantidade necessária para as celebrações a que estava destinado.

Noutra ocasião foi o episódio do órgão de tubos. Existia na igreja um velho órgão de tubos muito antigo, que eu diria ser uma reliquia. O Sacôta lembrou-se então de produzir alguns sons no orgão. O fole do referido orgão, que era acionado por pedal, foi demasiado forçado, o que teve como consequencia a rotura do mesmo. Porém, aí fui eu quem pagou as favas! Creio que o Padre Américo se convenceu de que eu é que tinha sido o malandro infrator, obrigando-me a ir ao sapateiro comprar um pedaço de carneira e cola de contacto, para proceder à respetiva reparação. Conseguimos assim remediar a situação e o Sr. Padre pode continuar as celebrações dominicais com o seu rong-rong!

Voltemos então de novo ao nosso passeio das descobertas da natureza. No alto da serra havia dois moinhos de vento, um deles já em ruinas. O outro acabaria por ser destruído mais tarde. Não podíamos no entanto perder tempo a visitá-los por estarem um tanto ou quanto fora do percurso. A próxima etapa era a Carrapatosa, um maciço calcário nivelado por cima, embora com algumas fendas na pedra, donde se avistava perfeitamente a torre da Basílica de Fátima. Poderia dizer-se que era uma autentica praia seca onde dava para apanhar banhos de sol em dias de verão. Dois ou três anos mais tarde houve, no acesso ao referido maciço, em plena serra, um encontro da juventude das freguesias de Alqueidão da Serra e São Mamede com missa campal seguida de outras atividades como teatro e cantigas.

O nosso ultimo destino era o Poço Salgueiro, na Cova do Chão Falcão. O Poço Salgueiro é um buraco onde existe uma pequena árvore centenária a que chamam salgueiro e o poço, por obra de Deus, mantem sempre água quer seja inverno ou verão.

Estava assim concluído o percurso previsto, faltava ainda o regresso. Como diz o povo, para baixo todos os santos ajudam, e o regresso foi um vê se te avias! Em menos de meia hora estávamos todos disponíveis para mais uma aventura.

Assim, como tínhamos tempo suficiente e tínhamos deixado sem visita os moinhos velhos, resolvemos ir ainda ao moinho da Cabeça,

Chegados à Cabeça, com uma vista fabulosa sobre Porto de Mós e arredores, apostamos, a nada, quem teria coragem de dar uma volta completa num dos braços do moinho, agarrado com unhas e dentes e também com as pernas em gancho. Não houve nenhum candidato. Fui eu então o grande aventureiro que, sem medir o perigo e as possíveis consequências, elevado à força de braços de todos os do grupo a quase quinze metros de altura me fiz à volta de 360º! Imaginem assim o Carvalhico, nome pelo qual fui conhecido no seminário, a quinze metros de altura, de cabeça para baixo, agarrado ao braço do moinho de vento! Quando depois, com o balanço, o engenho ainda subiu a um quarto de volta até parar, que vontade não tive para agradecer a Deus por me ter protegido.

FOI SÓ MAIS UM PEQUENO SUSTO.”

Manuel Amado Carvalho

do livro “Caminhos Trilhados”

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