Até ao século XIX o termo “criança abandonada” não existia, elas eram conhecidas como “enjeitadas” ou “expostas”.
Na Idade Média, depois de a Europa ter passado pelo flagelo da Peste Negra, a população começou a abandonar os filhos nas ruas, deixando os seus bebés junto de igrejas ou praças. Esta calamidade obrigou a Igreja e a monarquia a tomar medidas de assistências às crianças expostas. Foram então criadas as Casas de Misericórdia que recebiam as crianças expostas, os doentes, os mendigos e os loucos.
No muro da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa havia uma roda na qual a criança era colocada durante a noite da parte de fora do muro, e a pessoa que estava a abandonar o bebé girava a roda de forma que a criança ficasse da parte de dentro desse mesmo muro, e nesse momento puxava a corda de um sino para avisar que uma criança acabou de ser abandonada.
Era nesta altura que aparecia a “rodeira”, pessoa que se responsabilizava pelos primeiros cuidados de higiene e alimentação do exposto.
Logo após a entrada na Santa Casa era ministrado o sacramento do Batismo à criança, e era elaborado um cuidadoso registo onde se indicava o nome e se incluíam pormenores respeitantes a traços fisionómicos e eventuais anomalias, para além de uma descrição minuciosa do vestuário, dos respectivos sinais (bilhetes, medalhas etc), e ainda a identidade do padrinho e da ama responsável pela sua criação na Santa Casa.
As crianças baptizadas por quem as recolhia na roda, tomavam sempre apelidos de origem religiosa, como dos Santos, dos Anjos, ou de Jesus.
Ficavam na Santa Casa até que aparecesse alguém que as quisesse adoptar. Os pais adoptivos assinavam um documento “Termo de Entrega do Exposto”, em que se responsabilizavam pela educação da criança até que ela atingisse a maior idade, e tinham também que lhe ensinar uma profissão que lhe garantisse a subsistência no futuro.

Documento de entrega pela Santa Casa, do Exposto Aparício, a Maria Gomes, em 14 de Fevereiro de 1877.
(tipo documento de adopção).
Algumas pessoas do Alqueidão da Serra foram a Lisboa buscar enjeitados, à criação dos quais se obrigaram mediante um contrato celebrado com a Santa Casa da Misericórdia desta cidade.
Isto era na altura viagem para oito dias: três para lá, três para cá, um para tratar da vida e o oitavo para o começo do regresso.
Mas também havia algumas vantagens. Quando traziam uma criança já com 10 anos, ela podia ajudar nos trabalhos no campo, e recebiam algum dinheiro mediante o contrato que celebravam com a Santa Casa.
João da Costa Juiz de alcunha “João Boi” e a sua esposa Ana da Silva Guia, criaram 3 filhos e mais 3 crianças que vieram da Santa Casa. Os filhos eram:
- Maria Filomena Silva que casou com o António Amado “Calça”. ( tiveram 4 filhos: Guilhermina Amado, João Amado, Ermelinda Amado e Adelaide da Silva Amado)
- Adelaide da Costa que casou com Frederico Augusto Xavier da Cruz (o único filho que tiveram faleceu em criança)
- Lourenço da Costa (Não teve filhos).
Os filhos adoptivos (expostos da Santa Casa) eram:
- O Roma (Joaquim Romano) (pai de Fernando e António)
- O Joaquim Jesuita (pai de Ludovina, Ana, Catalão e João)
- O Zé António
Vidas que iniciaram com o abandono
Aparício dos Santos
Aparício dos Santos deu entrada na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa em 14 de Fevereiro de 1864, e segundo o “Livrete do Exposto“ ele tinha cor trigueira e olhos castanhos.
Em 14 de Fevereiro de 1877, foi entregue aos cuidados de Maria Gomes, acompanhado de um “Termo de Entrega do Exposto”, onde constavam todas as obrigações a serem observadas e cumpridas até a criança atingir a maior idade.
Aparício cresceu no Alqueidão da Serra, onde casou e constituiu a sua própria família. Teve 3 filhos, o João dos Santos, o Domingos dos Santos e o Manuel dos Santos Aparício.
Emigrou para o Brasil, onde permaneceu durante algum tempo regressando em 7 de julho de 1926.
Faleceu em Alqueidão da Serra em 29 de Maio de 1955.

Aparício dos Santos com a esposa Maria de São José Gabriel
Simpliciano dos Santos
Foi criado por uma família do Alqueidão da Serra até à altura em que casou com Iria. Com a idade de 31 anos emigrou para o Brasil. Partiu com destino a Santos/Brasil.
Damascena de Jesus
Nasceu no dia 19 de Junho de 1867, e foi deixada na roda da Santa Casa pelas 10h30 da manhã do dia 20, com os seguintes sinais:
Um bilhete designando-lhe o nome de Cacilda num laço de fita roxa e branca no braço direito. Um cueiro cor castanha, vestido de riscado cor de café guarnecido de espriguilha, touca valenciana e meio lenço de xaile de lã.

Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
Foi batizada no dia 21 de Junho de 1867 com o nome de Damascena, pelo padre João Rafael, e foi padrinho de batismo José Maria Felix.
No dia 11 de Julho de 1867, esta criança foi entregue a Christina da Silva, solteira, residente na freguesia de Alqueidão da Serra.
Damascena de Jesus veio a casar com Manuel Gabriel Ferreira Cecílio e teve 3 filhos: Maria de Jesus (a ti Macena), Rafael Gabriel e Francisco Gabriel.
Faleceu no dia 26 de Agosto de 1958 em Alqueidão da Serra.

Damascena de Jesus com os seus três filhos
Joaquim dos Santos Romano (Roma)
Foi criado por João da Costa Juiz (de alcunha “João Boi”) e sua esposa Ana da Silva Guia, veio a casar com Joana de Jesus Amado e teve dois filhos: O Fernando que casou com a Preciosa e foi viver para Porto de Mós, e o António que casou com a Clarisse.
Joaquim Jesuíta
Foi criado por João da Costa Juiz e sua esposa Ana da Silva Guia, até à altura em que casou com a Maria Saloia. Tiveram quatro filhos: A ti Lodovina e a ti Ana que viviam numa casa que existia onde actualmente está a Caixa Agrícola, o Catalão e o João que casou a Carma da ti Catrina.
Manuel Zeferino dos Santos
Foi criado por uma família do Alqueidão da Serra e trabalhou durante muitos anos na propriedade agrícola do Padre Manuel Afonso e Silva, que ficava no Prazo. Aprendeu a profissão de moleiro. Ele era o dono do velho Moinho da Cabeça. O seu filho Afonso dos Santos (marido da São Queimada), que exerceu a profissão de moleiro tal como o seu pai, comprou um moinho na mesma zona, que posteriormente vendeu ao atual proprietário, o Ti João Moleiro.
Nunca saberemos quem foram os verdadeiros pais destas crianças, mas a razão pela qual elas foram deixadas na Roda da Santa Casa foi certamente a miséria e a fome, e a esperança de que poderiam vir a ter uma vida melhor se fossem adotadas.
Atualmente são muitos os habitantes de Alqueidão da Serra que descendem destas pessoas cuja existência se iniciou com o abandono, e que foram acolhidas e educadas pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa até à altura em que foram adotadas.
Gostei muito do texto, mas é muito triste saber que existiram essas crianças enjeitadas da Roda da Misericórdia, como seria bom saber quem foram seus pais e os motivos que deixaram as crianças em uma roda
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Gostei muito do artigo sobre as crianças expostas da Roda da Misericórdia, sou trineta de uma Exposta da Roda de 1855 Carlota Jesus da Conceição entregue a roda em 28 de janeiro de 1855 recem nascida
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A minha bisavó também foi exposta na roda de Lisboa, só sei o seu nome Elvira dos Santos, mas não sei mais nada. existe forma de saber quando foi exposta?
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