1974
A nossa vida antes da Revolução
O “tempo da outra senhora” era o tempo da ditadura, da guerra, da PIDE, dos soldados com madrinhas de guerra, do serviço militar obrigatório, era o tempo da miséria e da fome. Em Portugal toda a gente era pobre, exceptuando aquela pequena parte da população que eram os ricos.
No Alqueidão da Serra praticava-se uma agricultura de subsistência e matava-se um porco uma vez por ano. Quem possuía muitas terras podia considerar-se rico. A terra produzia cereais, legumes e frutas (pêras, maçãs, figos na estação, uvas na vindima, ameixas e até pêssegos). O Ananás vinha dos Açores, no Natal, mas era tão caro que era partido em fatias muito fininhas para render mais.
Os produtos que a terra produzia e os animais que se criavam, eram vendidos nos mercados dos lugares vizinhos. Para fugir aos trabalhos no campo as raparigas iam trabalhar nas fábricas de Minde e Mira de Aire. Algumas iam para Lisboa trabalhar como criadas de servir (passaram depois a chamar-se “empregadas domésticas” e hoje são “auxiliares de apoio doméstico”.)
Bifes era um luxo, muita gente nem sabia o que isso era. A peixeira da Nazaré vinha cá uma ou duas vezes por semana trazer peixe fresco. Trazia sardinha, carapau, chaputa e chicharro, e quando não havia dinheiro para pagar…. ela deixava o peixe na mesma. Por vezes trocava o peixe por batatas, feijão ou outro produto agrícola.
Os homens trabalhavam no campo, ou na construção civil, ou nas pedreiras, embebedavam-se com facilidade e batiam nas mulheres, só porque sim. Elas não tinham direitos nenhuns.
Para calar um bebé chorão dava-se-lhe a chupeta com açúcar. As crianças cresciam com bonecas de trapos, bolas de trapos, bugalhos, fisgas e piões como brinquedos. Tinham grande probabilidade de morrer na infância de uma doença sem vacina, ou por falta de assistência médica.
O trabalho infantil era normal, quase obrigatório. Não havia escolaridade obrigatória e as mulheres não frequentavam a universidade.
A grande viagem dos rapazes era para África, nos paquetes da guerra colonial, para combater por um império desconhecido.
A grande viagem ao estrangeiro das famílias com algum poder de compra era a Badajoz para comprar caramelos e castanholas. A fronteira demorava horas a ser atravessada porque era preciso um montão de autorizações.
Não havia liberdade de expressão. A censura filtrava os textos dos escritores e jornalistas, não permitindo que se publicassem opiniões discordantes da politica do governo, ou cenas de violência ou sexo ou até mesmo noticias de outros países porque o resto do mundo não existia.
O lema de Salazar era: Deus, Pátria e Família e não se podia ir contra estes princípios. Existiam informadores da PIDE por todo o lado, e quem tivesses ideias diferentes da politica do governo era preso e torturado.
No dia 25 de Abril de 1974 a noticia de que estava a acontecer uma Revolução deixou os portugueses cheios de esperança. Era o inicio de tudo.
Viveu-se um período de grande euforia. Ninguém sabia ainda muito bem o que fazer com tanta liberdade.
Já era possível ver filmes e ler livros até então proibidos. Já era possível saber noticias do resto do mundo. As mulheres começaram a ver os seus direitos reconhecidos. Os nossos soldados podiam voltar para casa porque a Guerra Colonial ia acabar. Já era possível votar e livremente manifestar a nossa opinião.
Passados que foram 44 anos, o 25 de Abril continua a ser um marco histórico que mudou as nossas vidas, difícil é saber se foi para melhor, mas, ainda assim, ninguém tem saudades “do tempo da outra senhora”.
Antes do 25 de Abril de 1974 não se podia dizer mal do Governo, só se podia dizer mal da oposição. Agora os portugueses dizem mal do Governo, e dizem mal da oposição.
Antes do 25 de Abril de 1974 não havia eleições nem direito ao voto livre. Agora a maioria das pessoas tem esse direito, mas não vota.
Antes do 25 de Abril de 1974 havia presos políticos. Agora há políticos presos.
Antes do 25 de Abril de 1974 não havia acesso à saúde nem à educação e as pessoas não protestavam. Agora há acesso à Saúde e Educação e as pessoas fartam-se de protestar.
Antes do 25 de Abril de 1974 a emigração era muito grande. Agora a emigração é enorme.
Antes do 25 de Abril nas escolas existiam os “contínuos” que passaram a ser “auxiliares da acção educativa” e agora são “assistentes operacionais”.
Antes do 25 de Abril os professores batiam nos alunos. Agora os alunos batem nos professores.
Antes do 25 de Abril existiam crianças mal educadas e terroristas. Agora são crianças com um “comportamento disfuncional hiperactivo”.
Antes do 25 de Abril existiam vendedores de medicamentos. Agora são “delegados de informação médica”.
Antes do 25 de Abril existiam operários. Agora são “colaboradores”.
Antes do 25 de Abril existiam as fábricas. Agora são “unidades produtivas” .
Antes do 25 de Abril existiam mercearias. Agora há mini mercados, supermercados hipermercados e shopping.
Antes do 25 de Abril nada se vendia embalado. Agora tudo se vende envolvido em plástico e já não se sabe o que fazer a tanto lixo.
Com a revolução os portugueses passaram a ter direito a férias e ao subsidio respectivo. Apesar disto, passados 44 anos ainda há quem nunca tenha tido um mês de descanso.

Óleo sobre tela da autoria de Sobral. 1959. Oferecido pelo Autor ao Prior da Freguesia, rev. P. Américo Ferreira. Vista panorâmica de Alqueidão da Serra observado da estrada da Chã.